TEXTO BÍBLICO
“E
perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas
orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por
meio dos apóstolos. Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam
as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que
alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam
pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de
coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto
isso, o Senhor lhes acrescentava, dia a dia, os que iam sendo salvos” (ATOS
2.42-47, NAA).
Este, sem dúvida, é um daqueles
sermões difíceis de serem transmitidos. Uma mensagem “pesada”, mas necessária.
No livro de Atos dos Apóstolos encontramos referenciais para nós, hoje, no
século 21, e não um padrão de perfeição, visto que nem a Igreja no primeiro
século estava isenta de falhas e imperfeições. Mesmo assim, em Atos podemos
perceber um modus vivendi que deve servir de inspiração para
nós. Ali temos representado um perfil de Cristianismo a ser imitado, a ser
experienciado por nós.
O Movimento Pentecostal cresceu
muito no Brasil e no mundo. A partir dos eventos ocorridos em Azusa Street, em
Los Angeles (EUA), em 1906, as igrejas pentecostais espalharam-se pelo Brasil e
por outros países, que foram alcançados pela chama pentecostal.[1] Hoje, muitos movimentos são identificados como
“pentecostais”, mas é preciso lembrar que nem todos os pentecostais concordam
com tudo que se apresenta como “pentecostal”.[2] O
Pentecostalismo Clássico preza por valores cristãos bem definidos, valoriza as
Escrituras e a experiência com Deus e a ordem no culto ao Senhor.
Infelizmente, ante essa confusão em
torno da experiência pentecostal genuína, muitos valores vem sendo deixados de
lado e tem ocorrido nas igrejas pentecostais históricas o que chamo, aqui neste
esboço, de substituições indevidas no Movimento Pentecostal. Consideremos
elas, a seguir, e também as respostas que devem ser dadas tendo a Palavra de
Deus como base.
1. OBSESSÃO PELO GRANDE
Existe uma busca desenfreada pelo
que é grande, pelo que chama a atenção, pelo que é dotado de muitos recursos. O
evangélico brasileiro acostumou-se a conviver com líderes que se comprazem em
mostrar estruturas e nem tanto programas de formação humana e de assistência
social. Avalia-se a qualidade de uma igreja pelo tamanho do prédio que ela tem
e quanto maior for o número de congregações, maior será o ministério. Noutras
palavras, o conceito de “maior” foi reduzido a números.
Jesus, precisamos lembrar, nasceu
numa manjedoura, foi criado por pais paupérrimos e falou a poucas pessoas, por
vezes. O Reino de Deus não opera com a lógica do mercado e para Deus, o maior
pode ser o menor, e o menor o maior; o primeiro poderá ser o último, e o último
o primeiro.
2. OBSESSÃO POR FAMA E VISIBILIDADE
Estabeleceu-se no Movimento
Pentecostal uma verdadeira obsessão por fama e visibilidade, o que tem levado
nossos púlpitos a serem usados mais para exibição humana do que para a
proclamação da Palavra de Deus. Essa substituição indevida ocorre também quando
preferimos os famosos em lugar dos importantes. Tornou-se comum pagar caro para
trazer em nossas igrejas cantores e pregadores que cobram altos cachês,
enquanto temos entre nós pessoas que por anos se dedicam à igreja local,
produzindo frutos e cujo caráter conhecemos. Todavia, esse interesse em trazer
para nosso meio os “famosos” só evidencia que nos tornamos obsessivos por fama
e por visibilidade. Isto tem contribuído também para o que pode ser chamado de
“estrelismo na casa de Deus”.
3. A POMPA EM LUGAR DA SIMPLICIDADE
TÍPICA DO EVANGELHO
Criticamos tanto o Catolicismo por
sua pompa e ostentação, mas infelizmente, neste quesito, nosso pecado vem se
tornando pior que o dos católicos. Aqui, são pertinentes as palavras do pastor
protestante francês Laurent Gagnebin (1997):
O templo e o culto protestantes não
têm de se vestir de ornamentos ilusórios e supérfluos; com efeito, a sua nudez
remete para a glória somente de Deus. A precariedade protestante encontra então
no provisório uma parte da sua encarnação. Os templos não foram feitos para
durar [...]. Num culto demasiado brilhante, o protestante fareja qualquer coisa
de adulterado e, sobretudo, uma vaidade sempre possível. “A Deus somente a
glória”. No espírito protestante, a riqueza da Igreja – e das igrejas – é
excessiva. Não manifestará ela uma infidelidade chocante face à cruz de Jesus?[3]
As palavras – lancinantes! – de
Gagnebin podem parecer estranhas para alguns pentecostais, mas são o reflexo de
um pensamento genuinamente cristão. A simplicidade deve ser uma marca do crente
em Jesus e do culto verdadeiramente pentecostal. Infelizmente, muitos cultos e
outros eventos pentecostais mais se parecem com shows do que
com cultos, de fato.
4. PERFORMANCE EM LUGAR DA VOCAÇÃO
Isto tem dado lugar ao mercenarismo
no contexto cristão. Nota-se uma preocupação excessiva em cumprir um papel mais
do que comunicar o evangelho. Nossos púlpitos foram tomados por atores e os
despenseiros do evangelho perderam lugar. Temos convivido com personagens em
nossos cultos, cuja alma não se pode “ver” em suas prédicas. E nessa esteira,
nossas crianças estão sofrendo um sério problema: comportam-se como adultos em
decorrência de influência adulta (adultização precoce de crianças). Pregadores
e cantores mirins com agenda de “gente grande”! Um assunto sério e que precisa
ser seriamente revisto por nós (Cf.: 1 Co 13.11).
5. MENSAGEM ANTROPOCÊNTRICA EM
LUGAR DA MENSAGEM CRISTOCÊNTRICA
Essa substituição indevida tem dado
lugar ao triunfalismo religioso, que substitui a mensagem da cruz de Cristo por
uma mensagem que promete vitória e vitória. Mensagens de êxito pessoal são
apresentadas ao povo sem a exposição bíblica de que é preciso haver compromisso
com Deus e de que a vida cristã implica também em sofrimento. E ainda: estamos
presenciando uma ênfase exagerada em mensagens de vitória substituindo
mensagens evangelísticas durante nossos cultos. Infelizmente, já não vemos mais
“evangelistas” pregando a partir de nossos púlpitos.
6. APARENTE ESPIRITUALIDADE EM
LUGAR DO CARÁTER
Pessoas há que aparentam serem
homens e mulheres de Deus, mas não expressam em seu viver diário um compromisso
real e genuíno com o Deus da Palavra e com a Palavra de Deus. Basta proferirem
algumas palavras em línguas estranhas e os crentes concluem que essas pessoas
são realmente espirituais e tem uma vida profunda com Deus, quando na verdade,
conforme ensinou o Mestre amado, é “[...] pelo fruto [que] se conhece a árvore”
(Mt 12.33, NAA[4]).
7. HERESIAS E MODISMOS TEOLÓGICOS
EM LUGAR DA REFLEXÃO BÍBLICA SÉRIA
O determinismo religioso percebido
em expressões como “eu determino”, “eu abençôo”, dentre outras similares,
tornou-se uma tendência em igrejas pentecostais. Mas esse modismo teológico não
é a única ameaça à integridade doutrinária de nossas igrejas. Há outras, que
precisamos conhecer e responder com a mensagem e a vivência simples do
evangelho.
A Teologia da Prosperidade é outra
dessas ameaças constantes em nosso contexto. Mesmo que denominações
pentecostais históricas, como a Assembleia de Deus, não aceitem oficialmente a
Teologia da Prosperidade[5], ela está presente no
momento do ofertório. Essa “mecânica” tão comum em nossos cultos que ensina que
quanto mais ofertamos mais recebemos de Deus em troca, nada mais é que o
reflexo da presença da Teologia da Prosperidade entre nós. Mas o ensino bíblico
sobre contribuição financeira não se baseia nessa “mecânica”, mas sim no
princípio de liberalidade e do amor ao próximo. Não tem nada que ver com esse
utilitarismo atrelado ao ato de ofertar, tão fomentado pelos teólogos da
prosperidade.
8. ENTRETENIMENTO MUSICAL EM LUGAR
DA ADORAÇÃO
Nossos templos, hoje, estão
equipados com o melhor dos equipamentos de som e instrumentos musicais (e isso
deve de fato ser explorado pelo povo evangélico), mas nem sempre vemos isso ser
usado para a glória de Deus. Pelo contrário, temos visto isso ser usado para a
promoção de pessoas no meio evangélico. Desse modo, disputa-se uma oportunidade
para cantar, mas com a motivação de ser promovido ou promovida. Música
profissional não deve ser confundida com adoração a Deus. Podemos sim ter entre
nós adoradores que são músicos profissionais, o problema é quando temos músicos
profissionais que não são adoradores... Pensemos nisto.
9. IRREVERÊNCIA E APATIA ESPIRITUAL
EM LUGAR DA REVERÊNCIA E TEMOR NO CULTO
Essa substituição ocorre quando o
culto se torna mero encontro social e religioso. Ocorre também quando o culto
se torna enfadonho e cansativo para nós, como acontecia nos dias do profeta
Malaquias: “Eis aqui, que canseira!” (Ml 1.13a). Tornou-se comum para muitos
pentecostais a ideia – totalmente equivocada – de que um culto para ser
verdadeiramente pentecostal precisa ser marcado por gritarias, loucuras
comportamentais, gestos insanos e outras bizarrices que temos presenciado nos
últimos anos e que recebe o nome de “culto pentecostal”. Mas um pentecostal
clássico, naturalmente, estranha essa ideia. Nosso entendimento é que quanto
mais reverente o culto pentecostal for, quanto mais solene ele se mostrar, mais
propício será para a ação poderosa do Espírito Santo. Particularmente, fui
educado a tratar o momento do culto pentecostal seguindo alguns princípios que
compartilho a seguir: chegar antes do culto começar; em chegando mais cedo,
entrar ao templo e orar pelo culto[6]; não conversar
durante o culto; ouvir atentamente a exposição bíblica; não ficar andando
durante o culto e evitar frequentar o banheiro do templo; cantar conjuntamente
com a congregação, assim como orar também de modo racional e equilibrado,
dentre outros princípios.
CONCLUSÃO
A Igreja de Cristo deve ouvir Sua
poderosa voz. Deve seguir nos seus passos, fazendo Sua vontade. É triste quando
absorvemos os padrões de comportamento de uma era secularizada e que não
conhece a Deus. Devemos lembrar do ensino de Jesus em Mateus 5.13 e vivê-lo. Só
assim poderemos de fato resgatar valores fundamentais ao genuíno
Pentecostalismo, preservando sua pureza e alegria de vivê-lo.
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Roney Cozzer serve como presbítero na Assembleia de Deus, professor de Teologia, autor e palestrante. Atua como docente, tutor EAD e coordenador pedagógico na Faculdade Brasileira (FABRA). Contato: roneyricardoteologia@gmail.com
[1] Confira
o artigo Movimento Pentecostal à Teologia, Contribuições do.
[2] Confira
o artigo Pentecostalismo, Uma defesa do.
[3] GAGNEBIN,
Laurent. O Protestantismo. Lisboa, Portugal: Biblioteca Básica
de Ciência e Cultura, Instituto Piaget, 1997, p. 89.
[4] Grifo
meu.
[5] Diferentemente
da Igreja Universal do Reino de Deus, que assume abertamente a Teologia da
Prosperidade.
[6] Orar
mesmo e não apenas cumprir gestos mecânicos como ajoelhar e sequer saber o que
se está falando.
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