INTRODUÇÃO
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á faz alguns anos que venho percebendo
em acadêmicos de Teologia um sentimento que também é comum a professores de
Teologia: ojeriza pela Teologia
Sistemática. “Prefiro a Teologia Bíblica à Teologia Sistemática”, alegam
alguns. Lembro-me de ter conversado com um colega que, em tom de desdém, disse
que havia desfeito de todas as suas Teologias Sistemáticas.
O entendimento de pessoas que assumem
essa rejeição pela Teologia Sistemática, por vezes, é de que a Teologia Bíblica
é menos dogmática e possibilita um trabalho “direto” com o texto bíblico sem a
interferência da Dogmática Cristã ou, noutras palavras, sem a interferência dos
teólogos sistemáticos. Preterem assim a Teologia Sistemática optando pela
Teologia Bíblica. Alguns fatores, contudo, precisam ser seriamente considerados
antes de “dispensarmos” a Teologia Sistemática (ainda que eu nunca estive
realmente disposto a isto). Vejamos a seguir.
1. O OLHAR HERMENÊUTICO É INEVITÁVEL
Por mais que se pressuponha que
dialogando com a Teologia Bíblica, estará o acadêmico de Teologia trilhando um
caminho mais “neutro”, isento, desprovido de “amarras dogmáticas”, o fato é que
isentar-se já significa sair da neutralidade. Ser neutro representa uma forma
de posicionamento!
Penso que o dogma é uma forma de
posicionamento, reflete cosmovisão e a maneira como reagimos a determinados
temas. Não posicionar-se é praticamente impossível. Melhor, portanto, é assumir
que todos temos dogmas e que olhamos o mundo por determinada perspectiva.
O que a Igreja vem fazendo é justamente
isto, ao longo de séculos, por meio de sua sistematização teológica. O que o
homem pós-moderno não consegue entender é que ao insistir em que não há um
absoluto, ele já está sendo absoluto. Fica claro que esta rejeição ao dogma
cristão tem como pano de fundo, na verdade, o típico relativismo pós-moderno.
Sob o manto de isenção, e/ou de “neutralidade científica”, o estudante da
Bíblia, desde o exegeta ao leitor popular da Bíblia, todos, sem exceção, se
aproximam da Bíblia já com algum sistema interpretativo preconcebido. Suas
vivências pessoais, comunitárias, sua religião, suas crenças, enfim, irão
incidir sobre sua interpretação do texto bíblico. A eisegese[1] é um fenômeno, de
certo modo, inevitável. Pode e deve ser reduzido, mas nunca poderemos dizer que
chegamos de fato ao texto bíblico completamente “despidos”. Isto é ilusão.
2. O VALOR PROLEGÔMENO DA TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O conhecimento não vem pronto; se dá
por estágios. Vai sendo construído ao longo dos anos. É uma tolice ignorar o
valor do conhecimento elementar pelo fato de termos alcançado conhecimento mais
complexo. Conhecimento complexo vai sendo obtido à partir de conhecimento elementar.
O estudo de Teologias Sistemáticas
contribui assim para introduzir o cristão no amplo campo de estudos da
Teologia. É a melhor via para que ele conheça as crenças que orientam a vida da
Igreja, vida da qual ele próprio participa e no interior da qual, sua
existência adquire significado.
São essas convicções dogmáticas que
norteiam a maneira como reagimos ao mundo que nos cerca e a maneira como
encaramos Deus e nos relacionamos com Ele. Perguntas cruciais para o cristão são
respondidas na Teologia Sistemática: Quem sou eu? Quem é Jesus? O que é a
salvação? Qual a relação da Queda comigo? O que é santidade? Estas e outras
tantas questões são definidoras da nossa identidade e de como nos orientamos
ética e solidariamente no mundo. De certo modo, o homem está sempre em busca de
respostas para estas questões. Se não for na Teologia Sistemática, ele vai
buscar em outra fonte, como de fato faz. Por que não pode, pois, a Dogmática
Cristã permanecer como uma resposta não só possível, mas viável? O que subjaz
de fato nessa rejeição: neutralidade científica ou preconceito?
3. A INEVITÁVEL SISTEMATIZAÇÃO DE OUTROS SISTEMAS
Sistematização de convicções e pontos
de entendimento não é algo exclusivo da Teologia Sistemática. A sistematização
está presente, inclusive, em outros ramos do saber. E não só em Ciências
Humanas, mas também outras ciências como Matemática e Física. Sistematizar é
organizar e este é um aspecto essencial para o progresso do conhecimento humano,
inclusive.
O teólogo sistemático Wayne Grudem
comenta: “[Teologia Sistemática] significa examinar a Bíblia para encontrar
todos os versículos que correspondem a um determinado tópico de estudo. Então,
juntamos todos os versículos para entender o que Deus quer que creiamos. “Sistemática”
significa “[...] cuidadosamente organizada por tópicos.” Então, é diferente da
teologia aleatória ou da teologia desorganizada”.[2] A Teologia Sistemática não
pode ser desprezada pelo fato de ser sistemática. Sua organização tem razão de
ser e mesmo no próprio texto bíblico já percebemos doutrinas sistematizadas,
organizadas para formar um pensamento específico.[3]
4. O VALOR HISTÓRICO DA TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Aqui está também outro importante
fator para se ler e estudar Teologia Sistemática. Vários teólogos vem
escrevendo e deixando para a posteridade diversas teologias sistemáticas, isto
ao longo de séculos. Aquino, Calvino, Armínio, dentre tantos outros escreveram
volumosas obras que refletem a convicção da Igreja ao longo de séculos.
Seu pensamento e reflexões em torno de
Deus, do mundo, do próprio homem e sua condição, enfim, diversos temas
atrelados ao Cristianismo e à vida vem sendo seriamente investigados e abordados
em teologias sistemáticas. Neste sentido, essas obras podem ser consideradas
verdadeiros repositórios de sabedoria antiga e de conhecimento histórico também
a respeito da Igreja, do próprio homem e das Escrituras. Como alguém que
trabalhou em um projeto historiográfico, este é um ponto que me soa como muito
importante e que merece ser destacado.
CONCLUSÃO
Neste artigo poderiam ter sido
destacados ainda outros pontos importantes que justificam a Teologia
Sistemática, bem como realçam seu valor para a Igreja.[4] Julgo, contudo, que os que
aqui foram comentados são suficientes para uma reflexão desta natureza. Espero,
realmente, ter contribuído para o leitor ou leitora.[5]
[1]
Confira o subtópico 3.2 do artigo Educação
Cristã e Leitura Popular da Bíblia: propondo mediações hermenêuticas, onde
defino o que é eisegese.
[2] GRUDEM, Wayne. O que é a Teologia Sistemática e porque se importar com ela. Disponível
em: <https://www.thegospelcoalition.org/pt/article/o-que-e-a-teologia-sistematica-e-porque-se-importar-com-ela/>
Acesso em 17 jun. 2018.
[3]
Naturalmente, não ao modo da Teologia Sistemática que, enquanto ciência, é
recente. Mas é possível notar na coerência dos argumentos paulinos, em Romanos,
para citar um exemplo, que houve sistematização de ideias e crenças. Noutras
palavras, o próprio texto bíblico pressupõe organização, sistematização e
coerência de crenças.
[4]
Como por exemplo, o caráter apologético da Teologia Sistemática; também a sua
contribuição no que tange à sua abordagem descritiva das doutrinas do
Cristianismo e ainda, sua contribuição para a fenomenologia da religião, visto
que ela preserva os traços da religiosidade cristã ao longo de muitas gerações.
[5] COZZER, Roney Ricardo. Em defesa da Teologia Sistemática. Disponível
em: < www.facebook.com/roneyricardo.cozzer/posts/2087103307998126> Acesso
em: 17 jun. 2018.