sábado, 25 de setembro de 2021

HERMENÊUTICA PARA INTERPRETAR AS PROFECIAS BÍBLICAS (ESBOÇO BRAINSTORMING)



TEXTO BÍBLICO BASE:

"Filipe correu e ouviu que o homem lia o profeta Isaías; e perguntou: Entendes o que estás lendo?" (Atos 8.30, Almeida Século 21).


INTRODUÇÃO

A Hermenêutica, teológica e não teológica, é um ramo do conhecimento essencial para as Ciências Humanas. Ela precisa ser levada em conta no estudo de outras disciplinas, o que permite assim um estudo que seja feito em perspectiva transdisciplinar. Isso contribui para produzir conhecimento que seja mais coerente e abrangente.

A relação da Hermenêutica Bíblica com o assunto das profecias bíblicas de teor escatológico é atual e muito relevante. As afirmações escatológicas que são feitas pela Igreja precisam ser sustentadas por aparato hermenêutico, de modo que se produza uma reflexão escatológica mais coerentes, sensatas e sobretudo, bíblicas de fato.

As duas disciplinas - Hermenêutica e Escatologia - precisam dialogar. O estudo e a compreensão de textos bíblicos escatológicos precisam levar em conta princípios hermenêuticos diversos, que colaboram para uma interpretação que permite uma aproximação do sentido original, aquele que foi pretendido pelo hagiógrafo.


1. DEFINIÇÃO E UTILIDADE DA HERMENÊUTICA

A Hermenêutica pode ser definida como ciência Arte da interpretação bíblica. Ela também oferece uma série de princípios interpretativos que contribuem para assegurar uma compreensão mais coerente do texto bíblico. 

A Hermenêutica também é entendida em termos filosóficos, como uma disciplina filosófica. E neste caso, vários pensadores deram a sua contribuição. Comentando o pensamento hermenêutico do filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005), Moisés Silva e Walter Kaiser Jr. (2002) afirmam o seguinte: "O trabalho de Paul Ricoeur é especialmente conhecido nesse sentido. Entre suas inúmeras ideias sugestivas, devemos notar sua ênfase na distinção das relações entre falar-ouvir e escrever-ler. No discurso oral, o sentido do discurso se sobrepõe à intenção do orador. “Dentro do discurso escrito, porém, a intenção do autor e o sentido do texto deixam de coincidir [...] o rumo do texto deixa escapar o horizonte finito vivido por seu autor. O que o texto significa agora é mais importante do que a intenção do autor quando escreveu” (Paul Ricoeur. Interpretation Theory: Discourse and the Surplus of Meaning (Fort Worth: Texas Christian University, 1976, p. 29-30). Embora o próprio Ricoeur não fosse um estudioso da Bíblia, ele estava profundamente interessado no pensamento religioso e, portanto, muitos teólogos e estudantes da Bíblia tem sido influenciados pelo seu trabalho" (SILVA. KAISER, 2002, p. 225).


2. DEFINIÇÃO E UTILIDADE DA ESCATOLOGIA

A Escatologia cristã tem sido tradicionalmente definida como a "doutrina das últimas coisas": "O substantivo escatos significa “último” e unido ao vocábulo logos, “palavra”, trazendo assim o sentido de “estudo das últimas coisas”. Escatologia, portanto, é a disciplina que se debruça sobre as profecias e os escritos acerca dos fins dos tempos" (COZZER. HENRIQUE, 2021).

A Escatologia pode ser individual ou cósmica. A individual é aquela que trata do destino individual do homem e inclui temas como a morte, estado intermediário dos mortos e ressurreição. A Escatologia também pode ser cósmica, que trata do destino da humanidade e do próprio universo.

A Escatologia deve ser definida ainda como uma compreensão cristã a respeito do futuro com implicações no presente. Dito de outra forma, a Escatologia nos oferece explicações e compreensões a respeito do futuro que nos levam a assumir posturas no hoje, na realidade da vida cotidiana. Por exemplo, a convicção de que Cristo voltará infunde nos cristãos esperança e zelo pela vida espiritual.

A Escatologia é uma disciplina teológica muito importante, não apenas para a Teologia Sistemática, mas para a Teologia de modo geral. Infelizmente, ela vem sofrendo banalizações ridículas! Mas a sua utilidade prática é muito concreta e plausível: produz esperança; vivifica a espiritualidade; chama à ação no mundo da vida e ao discipulado cristão.


3. TRANSDISCIPLINARIDADE EM TEOLOGIA

- "Pensar uma disciplina teológica em termos de transdisciplinaridade significa, em nosso entendimento, pensar uma teologia que seja bíblica e ortodoxa, mas não unívoca e ensimesmada" (COZZER. HENRIQUE, 2021);

- "A transdisciplinaridade pensada em relação a uma disciplina teológica ou mesmo em relação a própria Teologia como uma área de conhecimento bem ampla, implica pensar um conhecimento teológico que é articulado em interação com outras disciplinas, de outras áreas" (COZZER. HENRIQUE, 2021);

- "[...] a transdisciplinaridade indica o percurso entre campos do saber, e esse percurso não deixa de ser lógico e organizado; a ideia de transdisciplinaridade “rompe”, de certo modo, com o conceito de disciplina e busca assim construir o conhecimento de modo mais integrado, não atomizado e não compartimentalizado. Deve-se lembrar que o prefixo trans aponta justamente para o percurso entre ou através das disciplinas, unificando assim o conhecimento" (COZZER. HENRIQUE, 2021).


CONCLUSÃO

Tenho defendido (verbalmente e pela escrita) que a Hermenêutica Bíblica não só pode, como deve ser “transposta” da Academia Teológica para a vida prática da Igreja. Noutras palavras, meu entendimento é que ela não deve ser apenas uma disciplina restrita, ou “confinada” à Academia Teológica, mas pensada e articulada para a vida prática da Ekklesia. Se isso não acontece, em relação à Hermenêutica Bíblica, ela será reduzida apenas a um esforço acadêmico que se ocupa de interpretar um texto antigo, e não o esforço de interpretar um texto antigo cujos resultados da interpretação são aplicáveis à vida comunitária da fé.


REFERÊNCIAS

COZZER, Roney Ricardo. HENRIQUE, Samuel Cândido. Escatologia Bíblica numa perspectiva transdisciplinar: uma análise das escolas escatológicas, da Hermenêutica, da História, da Teologia Bíblica e como a interpretação escatológica influencia a Igreja em sua ação missional. São Paulo: Fonte Editorial, 2021.

SILVA, Moisés. KAISER Jr, Walter C. Introdução à Hermenêutica Bíblica: como ouvir a Palavra de Deus apesar dos ruídos de nossa época. Trad.: Paulo César Nunes dos Santos. Tarcízio José Freitas de Carvalho e Suzana Klassen. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.


Roney Cozzer


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

O VALOR DA MELANCOLIA

 


Já faz um bom tempo que venho pensando em escrever algo sobre o valor da melancolia e sobre o valor da tristeza típica que sempre a acompanha. Para mim, é muito significativo escrever e refletir sobre um sentimento que, por vezes, queremos empurrar para debaixo do tapete. Se bem que no caso do meu aparelho psíquico, tapete e melancolia são dois elementos que se mantêm bem distantes um do outro. 

Admito, até com certo orgulho, que melancolia e nostalgia tornaram-se duas amigas inseparáveis e íntimas de mim ao longo do tempo. Não me envergonho dessas amizades. E quem é mais próximo de mim sabe disso e me aceita melancólico como sou. Melancólicos são complexos, admito, mas costumam ser profundos, sensíveis e perceptivos. 

Há um lado positivo nesta reflexão: o reconhecimento do próprio temperamento. O conhecimento das características típicas de cada um dos quatro temperamentos, a saber: colérico, sanguíneo, fleumático e melancólico, é importante para a redução de caricaturas e preconceitos que se estabelecem tantas vezes em nossos círculos sociais. Cada temperamento tem suas especificidades e quando o assunto é temperamento, não se devem estabelecer avaliações do tipo “este é melhor e aquele é pior”. Os temperamentos devem ser considerados em termos de prós e contras, vantagens e desvantagens. E podem ser melhorados.

Para muitas pessoas, a simples menção e reconhecimento público de que se é melancólico, já e suficiente para que se torçam narizes e se façam olhares suspeitos. Quando menciono em público o meu temperamento melancólico percebo que algumas pessoas tratam a “melancolia” como uma espécie de doença. Mas é como dizem: O desconhecimento gera preconceitos…

Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, acertou em cheio ao avaliar nosso tempo (como sempre!) quando comenta a respeito da incapacidade do sujeito pós-moderno de ficar a sós consigo mesmo. Afirma Bauman: “Nesse nosso mundo sempre desconhecido, imprevisível, que constantemente nos surpreende, a perspectiva de ficar sozinho pode ser tenebrosa; é possível citar muitas razões para conceber a solidão como uma situação extremamente incômoda, ameaçadora e aterrorizante” (BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Trad.: Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 14). Tenho a impressão de que a minha geração já não sabe muito bem o que é isto, e as novas então… Nessa hora é preciso considerar alguns fatores.

Nossa vida acelerada e sempre agitada tem nos levado à incapacidade de conviver. E isto tem relação com esta incapacidade de ficar a sós consigo mesmo. Só convivemos bem quando nos conhecemos bem, e só nos conhecemos bem ficando a sós consigo mesmo. O autoconhecimento é também o caminho para a sabedoria e para a saúde emocional. 

As pessoas na Pós-modernidade, enganadas pelo discurso da “autossatisfação sempre”, fomentado pelo consumismo que as consome, caem na ilusão de que para viver bem precisam estar sorrindo o tempo todo, sempre em pé, radiantes. A vida ideal poderia ser resumida naquela exclamação tão cara para nós, evangélicos: “Só vitória!” Mas isso é uma grande ilusão! 

Desconfie de quem está sempre pronto, sempre bem, sempre sorridente, sempre santo, sempre com tudo "certinho". Sim, desconfie de pessoas assim. Algumas escondem um monstro. Uma coisa tenho aprendido ao longo da vida: O ser humano é um ser imperfeito e sempre terá problemas em todas as esferas de sua existência. E a melancolia, como temperamento ou como um estado temporário, é uma dimensão fundamental da existência humana.

A melancolia, com a tristeza que traz, possibilita algumas coisas incríveis que a vida agitada da Pós-modernidade vem tirando de nós. Elementos que são vitais para este autoconhecimento que aqui menciono. São eles: a possibilidade de sair de cena, de ficar sozinho com você mesmo, de respirar. Possibilita a reflexão sobre quem temos sido até aqui, o que realmente queremos, o que estamos fazendo e para onde estamos indo. 

Minha amiga melancolia constantemente me faz lembrar pessoas queridas que se foram e outras que nem se foram, mas que pela agitação da vida permito ficarem longes de mim. Numa era em que o outro já não importa mais, e em que nossa agenda só inclui reuniões e não mais pessoas, sentir saudades de pessoas especiais pode significar o resgate da alteridade, pode ser a recuperação da capacidade de conviver. Acredito que de algum modo, minha melancolia me torna uma pessoa melhor.

Para aqueles que detestam a tristeza e a melancolia, é preciso lembrar que grandes personalidades, que grandes contribuições trouxeram à humanidade, eram pessoas profundamente melancólicas. É claro que sua capacidade não se deve exclusivamente ao fato de terem sido melancólicas, mas a melancolia sem dúvida contribuiu para o seu brilhantismo. 

Personalidades melancólicas são encontradas em todas as áreas: na Teologia, na Literatura, na Arte, na Música. Pessoas profundamente melancólicas legaram-nos obras magníficas, peças extraordinárias, poemas tocantes, reflexões profundas e sons envolventes que foram, sem dúvida, resultado de horas e dias no "fosso" proporcionado pela melancolia.

E claro, não poderia deixar de reconhecer os desafios inerentes de um temperamento melancólico. Minha ciclotimia me assusta, eu admito. Minha obsessão pelo vazio e pelo que falta chegam a ser, de fato, inconvenientes. E o envolvimento emocional de um melancólico, então, não tem nada de típico: É tudo ou nada, é intenso, precisa ser de verdade. Polidez demais me assusta; formalidade em excesso me afasta. Ah! Eu e meu hábito de insistir em ver a alma das pessoas… Isto às vezes me faz tão bem, mas às vezes me destrói… 

A sensibilidade que carrego tem sido uma autoestrada de ajuda para muitos, mas por vezes, o que não toca ninguém é suficiente para me lançar precipício abaixo… O olhar distante não é o reflexo de uma alma violenta, apenas reflete o voo indomável da minha mente que me torna autônomo, inquieto, inquiridor, submisso mas não manipulável e isto me faz sofrer numa sociedade que oprime, que move pessoas como se move peças num jogo de xadrez. Desse modo sigo, sentindo-me absurdamente estranho neste mundo, e ao mesmo tempo, absurdamente normal. 

Detalhes me saltam à vista, e o “não dito” grita aos meus ouvidos. A realidade de fato me assusta algumas vezes e me refugio, em alguns momentos, na companhia das ilusões, do fantasioso, do ideal, do metafísico. Desse refúgio, então, retorno à realidade, de certo modo revigorado, e pronto para seguir em frente, afinal, quem não tem ideais, ilusões e utopias não tem razão para avançar. 

Procuro usar tudo isto para ser melhor, para errar menos, numa vida em que o erro é inerente. Permito, assim, que a melancolia chegue, seu lugar já está reservado. Eu a ouvirei outra vez, como das vezes passadas, pois ouvi-la, significa ouvir a mim mesmo, significa ouvir os outros, significa ouvir o cicio suave e tranquilo que uma vida agitada não permite ouvir.

Enfim, eu sou alguém nada interessante, apenas um melancólico que se interessa pelo que não é tão interessante...

Já sei o que você deve estar pensando: “Que sujeito estranho esse!” 

Sou tentado a concordar…

Roney Cozzer… com melancolia, é claro.

sábado, 4 de setembro de 2021

O QUE É A VIDA?

 

O QUE É A VIDA?

Envolto num mistério profundo
Sigo agarrado a certezas
O faço, contudo, sem me furtar às dúvidas
Sabendo que sei e sabendo que não sei.
Sei que Ele está perto
Mais até do que posso imaginar
Sinto sua mão
Ainda assim,
Me maravilho com sua insondável capacidade de ocultar-se...
Eu,
Autônomo e dependente
Cercado e só
Preenchido e vazio
Desejado e rechaçado
Absurdamente perto e incompreensivelmente distante...
Que mistério profundo é a existência!
Existir é trilhar entre dois polos
Alegrias e tristezas
Certezas e dúvidas
Presença e saudade
Saber e ignorância
Coragem e medo
Conquistas e perdas.
O que é a vida?
Conexões neurais?
Mas e a Filosofia?
O que é a vida?
O resultado de um longo processo biológico-evolutivo?
Mas e a música?
O que é a vida?
Uma jornada patética de seres fazendo trocas para que vivam os mais fortes?
Mas e o amor, que vai na contramão dessa lógica?
O que é a vida?
Que dança incrível!
Vivemos como que num grande espetáculo
Espetáculo que nos ensina constantemente
E quando estamos na maturidade desse aprendizado
As cortinas desse espetáculo estão para se fechar...
Ainda assim, permanecemos nos corações que apreciaram esse espetáculo.

Psicanálise, o eu e os outros: encantamento, "dilaceramento" e desenvolvimento da pessoa humana

Por  Roney Cozzer , teólogo e psicanalista. www.teologiavida.com A Psicanálise é uma ciência que surge em conexão direta com a área médica ,...