segunda-feira, 7 de setembro de 2020

CRÍTICO OU PROFETA?

 


Me lembro de modo muito vívido do conselho daquele amigo, teólogo e pastor, no sentido de que eu não deveria ser um crítico, mas um profeta, afinal, o crítico ninguém ouve, mas o profeta sim. Este conselho caiu fundo no meu coração. De fato, o profeta denuncia o erro e comunica a vontade do Senhor para o seu povo. Confesso que por vezes fui muito ácido em minha reflexão teológica, mas conselhos como este me fizeram repensar minha abordagem. Continuo entendendo, contudo, que as convicções que tenho comunicado são bíblicas e correspondem ao ensino de Jesus e que o atual movimento de igrejas evangélicas muito se afastou desse ensino. Mas também continuo acreditando que existem muitas igrejas e líderes que são sérios e comprometidos com o Reino de Deus.

As convicções básicas que carrego ao longo de décadas em torno do evangelho e que regem minhas aulas, palestras, pregações, vídeos, textos, livros e minha relação com a instituição eclesial levam alguns a me encararem como "profeta", e outros, apenas como mais um crítico (no sentido vulgar do termo "crítico", já que a palavra "crítica" no contexto acadêmico possui um sentido fundamental).  

Nesta breve reflexão, compartilho com você, que me lê, algumas dessas convicções, que apontam para a maneira como encaro o evangelho e o papel da Igreja:

1. Entendo que a liderança cristã precisa ser servidora, não déspota, tirana, que aparelha a igreja local para atender a seus interesses particulares e aos de sua família;

2. Acredito que precisamos inaugurar menos templos e menos catedrais; precisamos sim de mais casas de acolhimento, projetos sociais, novos campos missionários, casas de recuperação para dependentes químicos e precisamos desenvolver mais projetos educacionais cristãos;

3. Creio que o fracasso moral das pessoas não deve ser maximizado em nossas igrejas; isto nada tem que ver com "encobrir o erro"; tem a ver sim com ética, decência e humanidade no trato com aqueles que tropeçaram; a exposição - e consequente exclusão - fere e não traz as pessoas para mais próximo de Deus;

4. Acredito que a pregação, mormente a pentecostal, perdeu seu viés evangélico, cristocêntrico e bíblico, tendo reduzido-se a meros discursos moralistas, de autoafirmações religiosas e carregados de emocionalismo e de arrogância; creio que em lugar desse lixo que é despejado de nossos púlpitos, hoje, precisamos de pregadores que abram a Bíblia e a compartilhem com o povo, sem fazer juízo das pessoas; quem muda o homem, em sua integralidade, é o Espírito Santo; ao despenseiro, cabe apenas comunicar a mensagem que transforma;

5. Estou convencido de que nossos cultos, reuniões convencionais e de obreiros, vigílias e outros eventos tornaram-se ocos, vazios de sentido e de coerência, e foram reduzidos a entretenimento religioso, encontro social, espaços para a exibição humana e em reuniões burocrático-religiosas; em vez disso, precisamos resgatar a liturgia simples, mas carregada de louvores que nos elevam a Deus, ofereçam ensino bíblico, pregação cristocêntrica e promovam a oração de fato;

6. Entendo que as "discussões teológicas" em nossas igrejas, especialmente aquelas produzidas por evangélicos nas redes sociais, são absolutamente inúteis e idiotizantes. Não levam a nada, não produzem nada e na maioria das vezes só refletem egos inchados buscando afirmarem-se; estou convencido de que em lugar disso precisamos pensar uma Teologia que seja prática, que aborde temas que toquem a realidade concreta das pessoas, sem recuar teoricamente;

7. Estou convencido de que nós, evangélicos, empobrecemos muito as nossas relações interpessoais; as limitamos à nossa própria denominação e igreja local; "amamos" as pessoas sob determinadas condições e em geral, do que vi nas diversas igrejas pelas quais passei, essas relações também são utilitárias: amamos porque a pessoa pensa como nós, se veste como nós, frequenta a mesma igreja que nós e sempre concorda conosco; quando esses mecanismos falham, as relações minguam; em lugar disso, precisamos amar como Jesus amou: Ele amou as pessoas antes que elas pudessem oferecer qualquer coisa a Ele;

8. Acredito que a identidade de uma instituição eclesial, como a da minha denominação, a Assembleia de Deus, deve passar não apenas pelos usos e costumes que ela pratica, mas sim pela ética bíblica, pelo comprometimento com a Palavra de Deus refletido na vida, pelas ações sociais que promove e pela lisura das suas ações;

9. Acredito que o evangelho deve ser comunicado de graça; creio que pregadores devem ser despenseiros, não animadores de auditórios; teólogos devem ser vozes proféticas e não gente arrogante que se acha detentora última do saber; cantores devem ser adoradores antes de serem profissionais e ministros devem ser servos e não gente preocupada em subir degraus...

10. Para finalizar, entendo que o dízimo perdeu sua epistemologia bíblica: deixou de ser, para muitos líderes e liderados evangélicos, uma prática de gratidão, amor e de contribuição para com a comunidade de fé, e se tornou uma indústria financeira religiosa, utilizada para medir quem dá e quem não dá e como meio de troca financeira com Deus (como se isso fosse possível).

Esta lista pode ser maior, é claro, mas ela já é suficiente para você avaliar se ela me coloca como crítico ou profeta por expô-la, ensiná-la e escrevê-la. E aí? Profeta ou apenas um crítico?

Roney Cozzer

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