Por Roney Cozzer
O que você vê nesta foto? Claro que para a maioria absoluta das pessoas que lerem este artigo, este retrato é só mais uma fotografia de família de alguém por aí. E nada mais razoável para se concluir, claro. Eu, naturalmente, vejo muito mais do que isso.
Esta fotografia é o registro da minha primeira participação na Ceia do Senhor, na 𝐈𝐠𝐫𝐞𝐣𝐚 𝐌𝐢𝐬𝐬𝐢𝐨𝐧á𝐫𝐢𝐚 𝐂𝐚𝐦𝐢𝐧𝐡𝐨 𝐝𝐨 𝐂é𝐮, uma denominação independente, fundada por minha mãe, Cleuzeni Soares Coser (in memorian), na década de 1980, quando ela se desvinculou da Igreja de Deus no Brasil. Essa denominação não durou tanto tempo assim: um pouco mais de 10 anos.
Nesta fotografia minha mãe aparece (de óculos, no centro) e mais dois irmãos meus (Lane e Gelson). Estou ao lado da minha cunhada (à época) que está com uma bebê no colo (minha sobrinha), segurando um exemplar do Novo Testamento, capa branca, um daqueles distribuídos pelos Gideões Internacionais. A foto foi tirada em março de 1995. Eu tinha 11 anos. Isto foi há mais de 20 anos!
𝐒𝐚𝐛𝐞 𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐯𝐞𝐣𝐨 𝐧𝐞𝐬𝐭𝐚 𝐟𝐨𝐭𝐨𝐠𝐫𝐚𝐟𝐢𝐚? Vejo muito mais do que um pequeno grupo de pessoas, vestidas de maneira simples, num espaço muito simples, segurando um pedacinho de pão em suas mãos. Vejo mais do que um registro de família. Vejo muito mais do que "uma igrejinha de fundo de quintal" ou ainda, um "forninho microondas", como fomos apelidados certa vez, em função do espaço de culto de que dispúnhamos ser muito pequeno e quente. Vejo muito mais do que um grupo de leigos tentando ser alguma coisa. Ah, sim, eu vejo muito mais porque eu estava lá, eu vivi lá.
𝐒𝐚𝐛𝐞 𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐯𝐞𝐣𝐨 𝐧𝐞𝐬𝐭𝐚 𝐟𝐨𝐭𝐨𝐠𝐫𝐚𝐟𝐢𝐚? Vejo Igreja, Igreja com "I" maiúsculo! Igreja da qual sinto tanta falta... E quem conheceu a Igreja como eu a conheci lá atrás, com os irmãos da Igreja Missionária Caminho do Céu, certamente não se acostuma com o que o movimento evangélico está se tornando hoje. E não estou sendo denominacionalista aqui. Eu convivia com pessoas de outras matrizes denominacionais e posso dizer com segurança: era diferente! De certo modo, nós, da "Igreja Missionária", éramos o reflexo da Igreja do Senhor no Brasil naquele tempo.
𝐄 𝐞𝐦 𝐪𝐮𝐞 𝐚 𝐈𝐠𝐫𝐞𝐣𝐚, 𝐧𝐚𝐪𝐮𝐞𝐥𝐚 é𝐩𝐨𝐜𝐚, 𝐝𝐢𝐟𝐞𝐫𝐢𝐚 𝐝𝐚 𝐈𝐠𝐫𝐞𝐣𝐚 𝐪𝐮𝐞 𝐬𝐞 𝐜𝐨𝐥𝐨𝐜𝐚 𝐝𝐢𝐚𝐧𝐭𝐞 𝐝𝐞 𝐧ó𝐬? Eu respondo! Havia um forte senso de comunidade, de fraternidade entre irmãos em Cristo, um sentimento de irmandade que superava a instituição. A instituição estava a serviço de pessoas, não o contrário, como vemos hoje. A institucionalização nos servia, e nós não éramos reféns dela. Eu podia ver as pessoas por trás da função que exerciam. Via suas qualidades e também seus defeitos. E que coisa boa, não? Pessoas são assim e conviver com elas de verdade nos permite enxergá-las de forma integral.
Havia calor humano. Havia o sentimento de falta quando alguém faltava ao culto. Pessoas importavam de verdade. Pessoas não eram números e Deus não era garçom. Quando alguém começava a falar em línguas e proferia uma palavra profética, abaixávamos nossas cabeças em silêncio porque acreditávamos que o próprio Deus estaria falando. Sinto falta disso... um passado áureo que quem experimentou sabe do que falo. Tínhamos problemas? Muitos! Mas éramos Igreja de verdade, mesmo em "nossa escandalosa e desajeitada simplicidade".
𝐇𝐨𝐣𝐞, 𝐧𝐨𝐬𝐬𝐚𝐬 𝐢𝐠𝐫𝐞𝐣𝐚𝐬 𝐞𝐬𝐭ã𝐨 cheias de atores, personagens, pastores-executivos, pregadores showman, cantores artistas, teólogos iluminados. Convivemos com gente que disputa espaço na hora do culto, gente que briga, fere e "atropela" outros para ocupar um lugar na diretoria. Convivemos com gente que se mostra super santa, mas absurdamente incapaz de "abraçar um desviado e lhe mostrar o amor de Deus que há em si" (trecho de uma letra de Adilson Gigante, daqueles tempos em que se cantava para adorar). Convivemos com gente que tem visão do Céu o tempo todo e é incapaz de enxergar a necessidade do irmão ao lado, que passa fome, que está doente, que precisa ser ouvido, que precisa ser abraçado.
𝐀𝐜𝐫𝐞𝐝𝐢𝐭𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐚 𝐈𝐠𝐫𝐞𝐣𝐚, 𝐡𝐨𝐣𝐞, 𝐧𝐞𝐜𝐞𝐬𝐬𝐢𝐭𝐚 𝐝𝐞 pastores que sejam pastores de verdade. Pastores que gostem de gente, que sejam acessíveis, que sejam visitadores. Quem afirma que "é melhor cuidar de boi do que cuidar de gente" não serve nem para ficar na portaria da igreja. Gente assim não pode nunca ser ordenado ao pastorado. O líder de verdade não está à frente e nem sobre as pessoas; ele vai com as pessoas. Ele mantêm seus liderados ligados à si pela sua influência e não pela imposição e não pelo argumentum ad metum.
Penso que precisamos de crentes que sejam voluntários ao Reino de Deus, e não oportunistas. Gente que sai do culto com aquela boa e velha sensação de ter adorado a Deus, independentemente se ele recebeu ou não a oportunidade naquele dia ou foi mencionado no microfone. A Igreja, hoje, precisa de pregadores e teólogos que sejam, antes de tudo, servos. Servos de Deus e da Igreja. Seu conhecimento é para instruir, não para constranger quem não sabe; seu saber é para os que não sabem, e não para autoafirmação. A Igreja, hoje, precisa de pregadores que amem vidas, e que desejem de coração comunicar à elas o evangelho. Sou daquele tempo que se desejava ser pregador não para ser famoso, aparecer em cartazes, viajar de avião... Não, nada disso. O que nos movia era o chamado divino, a vocação, o amor ao próximo e sobretudo, o amor a Deus.
𝐄𝐬𝐬𝐚𝐬 𝐩𝐞𝐬𝐬𝐨𝐚𝐬 𝐚𝐢𝐧𝐝𝐚 𝐞𝐱𝐢𝐬𝐭𝐞𝐦 e eu quero estar entre elas. Gente assim é mais feliz, é mais saudável. Gente assim não fica anos remoendo conflitos do passado. Gente assim não fica frustrada porque seu nome não foi ventilado nos quatro cantos da terra. Gente assim não fica brigando por mesquinharias na igreja ou convenção onde serve. Gente assim olha para Cristo e se interessa pelo outro. Deleita-se no prazer de ser útil. Alegra-se com aquela sensação maravilhosa propiciada pelo perdão, e também com aquela que é propiciada quando se estende a mão para alguém que necessita. Gente assim espalha sua influência positiva naturalmente, levando lenitivo e amor a tantos quanto encontra, como uma árvore frondosa que acolhe em sua sombra pessoas em um doce descanso.
𝐎 𝐨𝐜𝐚𝐬𝐨 𝐝𝐚 𝐈𝐠𝐫𝐞𝐣𝐚 𝐁𝐫𝐚𝐬𝐢𝐥𝐞𝐢𝐫𝐚? Creio que não. Deus sempre cuidou do seu povo, e creio que este cuidado é que manterá a Igreja viva. Mas não me fecho ao fato de que ela pode encolher aqui como encolheu na Europa, se continuarmos nesse processo de secularização, relativismo e pragmatismo, tal como estamos presenciando no Brasil. E digo mais: a Igreja sempre existirá: nas catedrais, nos grandes templos, nos becos, valados, nas zonas rurais, nas "igrejinhas de fundo de quintal" e em tantos outros lugares. E isto é um fato para mim. Deus é maravilho e não permite que Sua obra pare. Ele sempre contará com homens e mulheres e eu quero estar na vontade dele, ainda que na contramão do que o movimento evangélico está se tornando hoje. Mesmo nos momentos mais obscuros da História, Ele sempre levantou pessoas comprometidas com a simplicidade do evangelho e creio que não será diferente nesta hora tão difícil para a Igreja brasileira. Venha comigo e lute por este modelo de Igreja marcado pela santidade, simplicidade e poder do evangelho genuíno de Cristo!
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