TEXTO BÍBLICO: “Sujeitem-se uns aos outros por temor a Cristo. Esposas, sujeite-se cada uma a seu marido, como ao Senhor. [...] Maridos, ame cada um a sua esposa, como Cristo amou a igreja. Ele entregou a vida por ela, a fim de torná-la santa, purificando-a ao lavá-la com água por meio da palavra” (Ef 5.21,22,25,26).[1]
INTRODUÇÃO
O tema família é muito caro para a Igreja. A família é uma instituição divina, o que a coloca como digna de especial atenção.[2] Diversas são as passagens que falam sobre assuntos e personagens de modo direto ou indireto relacionados à família. Nos dois primeiros capítulos de Gênesis encontramos as narrativas sobre a criação do primeiro casal. Os capítulos 12 a 50 tratam das vidas dos patriarcas dos antigos hebreus, Abraão, Isaque, Jacó e José, sempre relacionados aos seus respectivos contextos familiares, ainda que em contextos culturais bem distintos do nosso. Chegando ao Novo Testamento, num cenário sócio-cultural muito diferente daquele do Antigo Testamento, o tema “família” continua tendo lugar de importância no pensamento e na reflexão teológica cristã. Textos como este de Efésios 5, usado para embasar este esboço, são recorrentes nas epístolas e também nos Evangelhos encontramos alusões à família.[3] Chegando ao século 21, perguntamos: Goza o casamento e a família por extensão dessa importância e valorização?
1. CASAMENTO: UMA INSTITUIÇÃO AINDA VIÁVEL?
O número de divórcios no Brasil e no mundo é realmente muito expressivo. Infelizmente é grande o número de casamentos que vão a pique, e muitos acabam nos primeiros anos e até nos primeiros meses. E vale destacar também que a saúde dos casais dá sinais de problemas graves. Diante de todos esses desafios, é grande o número de pessoas que já não acreditam mais no casamento (inclusive muitos que casados estão) e o encaram até como uma instituição obsoleta. Refletir sobre isto, contudo, é necessário, sobretudo, à luz das Escrituras.
Essa incerteza em torno do casamento é, em grande medida, resultado da assimilação da cultura pós-moderna pautada pelo hedonismo e utilitarismo. Nos tópicos a seguir refletimos justamente sobre os elementos que são fundamentais para a construção e manutenção da vida conjugal que, quando entendidos e praticados, levam a uma vida a dois mais equilibrada e feliz. E o primeiro consiste justamente em refletir sobre se entendemos corretamente o que é o casamento e o seu real significado. Isto é fundamental num mundo de utopias frustradas e de estereótipos construídos socialmente que são inalcansáveis.
1.1 Entendemos corretamente o casamento?
O primeiro passo para um casamento saudável é entender seu real significado. Muitas pessoas se casam com motivações equivocadas e sem ter em mente o que devem esperar realmente da vida a dois. Neste sentido, não é incorreto afirmar que em muitos casos, o casamento começa a ruir mesmo antes de ter sido oficializado diante de um ministro do evangelho.
A vida conjugal tem algumas implicações fundamentais que devem ser do conhecimento de ambas as partes, antes mesmo de chegarem ao "Sim". Homem e mulher, cônscios de seu papel e de suas responsabilidades, haverão de usufruir juntos das benesses e alegrias de uma vida a dois e poderão juntos construir um projeto que seja, de fato, para a vida a dois, “até que a morte os separe”.
1.2 Implicações da vida a dois
A escolha pela vida conjugal naturalmente gera responsabilidades que devem ser assumidas tanto pelo homem como pela mulher, numa ação colaborativa. Infelizmente, muitos casais assumem uma postura combativa e competitiva ao invés de se “abraçarem” para juntos construírem um lar feliz. Por mais paradoxal que isso pareça, tem sido a realidade de muitos casais.
1.2.1 Prestação de contas
A vida a dois requer prestação de contas, do homem para com sua esposa e da mulher para com seu esposo. Isto não deve ser confundido, é claro, com controle obsessivo, doentio, paranoico, que desgasta e fragiliza a relação a dois. Longe disso, a prestação de contas no casamento pode ser encarada como uma verdadeira bênção. Uma vida não “fiscalizada” está fadada a seguidos fracassos. A prestação de contas, isto é, o feedback constante entre o casal, é fundamental para que juntos possam fazer as melhores escolhas e traçar as melhores linhas de ação.
1.2.2 Respeito à individualidade do outro
Há pessoas que entendem casamento como “prisão”, e de fato muitos casais vivem como que prisioneiros um do outro. Todavia, tanto o homem como a mulher devem entender que a pessoa com quem se casou possui uma identidade própria, é detentora de uma individualidade e isso deve ser seriamente respeitado. Viver casado é também aprender a conviver com aquilo que não é “o meu gosto" e "a minha preferência”. Ilude-se quem pensa que casamento é resultado apenas de preferências em comum. Naturalmente, a vida a dois agrega crenças e valores comuns, escolhas e projetos compartilhados, dentre outros elementos comuns a ambos os cônjuges. Mas isto não anula o fato de que divergências e distinções de personalidade e temperamento são uma realidade no casamento, realidade esta que será fortemente sentida pelos dois.
2. PRÁTICAS PARA TORNAR SÓLIDA A UNIÃO CONJUGAL
A vida conjugal requer disciplina. É preciso cultivar um conjunto de práticas que contribuem para a manutenção do casamento. Práticas que vão sendo exercitadas e melhoradas e que aos poucos vão se tornando hábitos. Neste sentido, é correto afirmar que tal esforço constitui um exercício para a vida toda. E não deve o leitor se admirar disto, visto que nós não somos seres prontos, totalmente prontos, acabados. Na verdade, precisamos reconhecer que nossa necessidade de aprendizado é constante. E que práticas são essas que contribuem para nos ajudar a crescer como pessoas e assim consolidar o casamento?
2.1 Conhecer a si mesmo
Parece que aqui estamos pisando no campo da obviedade, mas não se engane: Conhecer a si mesmo pode representar um grande esforço pessoal! Disciplinas como a Teologia, a Filosofia, a Psicologia e outras se debruçam, cada uma ao seu modo, sobre este tema. A pergunta “Quem sou eu?” assume um caráter não só teológico, mas ontológico-existencial e de algum modo, todos nós a articulamos em algum momento de nossa vida.
2.1.1 O conhecimento de si mesmo passa pela vida devocional equilibrada, sadia e profunda
As horas que passamos a sós com o Senhor servem não apenas ao nosso enriquecimento espiritual, mas o fato de silenciarmos nossa agenda concorrida para estar à parte com Ele, permite que ouçamos a voz do Espírito Santo nos reorientando em muitas questões de nossas vidas.
2.1.2 O conhecimento de si também passa pelo conhecimento do outro, num ir e vir constante
Aprendemos pela observação e assimilação do que vemos em outras pessoas, para bem e para mal. Podemos ver o que é mau e nos afastar dele ou nos aproximar, e isto dependerá de nossa escolha. Ao decidir nos afastar, naturalmente estamos já num processo de aprendizagem e assimilação positiva. Outro ponto a ser destacado é que esse conhecimento de si mesmo deve muito aos feedbacks que recebemos do outro. Assim, o nosso conhecimento sobre nós mesmos é devedor, em grande medida, à colaboração de outros. A Janela de Johari traz importante contribuição nesse sentido.[4]
2.2 Conhecer o outro
Conhecer o outro implica uma construção constante. Requer paciência, tolerância e sobretudo, amor. Implica capacidade de aceitar a pessoa como ela é, e não como nós queremos que ela seja. É preciso haver assim alteridade, e alteridade se constrói com solidariedade. O egoísmo, naturalmente, haverá de entravar esse processo. Há pessoas ensimesmadas, que se colocam como se não precisassem de mais ninguém e acabam assim assumindo uma postura de grande arrogância. Conhecer o outro requer respeito à ele ou à ela, pois significa entrar em seu universo particular de certo modo.
2.3 Conhecer os temperamentos
Conhecer os temperamentos auxilia muito no sentido de humanizar nossas relações.[5] É que por vezes avaliamos algumas características de temperamento de maneira reducionista e até mesmo preconceituosa. No contexto religioso isto é muito forte. Traços de temperamento muitas vezes são associados a espiritualidade das pessoas e fazemos leituras sobre elas à partir disso, leituras equivocadas que podem gerar estigmas e até mesmo feridas emocionais. A fim de exemplificar isto, podemos considerar o fato de que pessoas que são menos expressivas emocionalmente, por vezes são vistas como apáticas espiritualmente, e por vezes sua espiritualidade sofre questionamentos. Outro exemplo interessante está relacionado à melancolia, de modo que pessoas que tem esse temperamento predominante tendem a ser vistas sempre de modo negativo, como se nada de bom existisse nesse tipo específico de temperamento. Cito estes exemplos a fim de demonstrar a importância de se conhecer bem os temperamentos.
No casamento, o saber lidar com o temperamento do outro é crucial para a saúde da relação. Vale lembrar a esta altura que o temperamento vem conosco, em nosso nascimento, mas como muitas coisas em nossa vida, ele pode ser melhorado. Depende de nós. O temperamento muitas vezes é usado para legitimar grosserias, agressões, gritos, atitudes de desrespeito e outros arroubos emocionais. Mas isto constitui um erro grave. O temperamento pode ser melhorado.
A esta altura de nossa reflexão, cumpre fazer as seguintes perguntas: Você conhece as características do seu temperamento? Você sabe como identificar o seu próprio temperamento? Você conhece qual é o temperamento predominante do seu cônjuge? Apresentaremos a seguir algumas características dos temperamentos que permitirão essa identificação e, em seguida, modificar comportamentos, melhorar tratamentos e abandonar determinados vícios comportamentais em relação ao outro. Isto significa, na prática, crescer como pessoa!
O temperamento pode ser definido como sendo “[...] a tendência predominante de humor da pessoa, suas reações e grau de sensibilidade do indivíduo. Temperamento vem da palavra “tempero”, forma pelo qual expressa o jeito peculiar de cada pessoa”.[6] Tim LaHaye comenta que foi Hipócrates, médico e filósofo grego, que expôs 400 anos antes de Cristo, a teoria de que existem quatro temperamentos básicos, a saber: sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático. Mesmo que existam outras classificações, a de Hipócrates resistiu ao tempo e é amplamente conhecida e utilizada.[7] A seguir estão descritos de modo muito breve os quatro temperamentos.
2.3.1 Colérico
Também chamado de “colérico intransigente”, é um temperamento vivo, dinâmico, irritadiço e por vezes, “pavio curto”. LaHaye comenta que o colérico “[...] muitas vezes é autossuficiente, e muito independente. Sua tendência é ser decidido e teimoso, tendo facilidade em tomar decisões para si mesmo assim como para outras pessoas”.[8] Geralmente é insensível e gosta de tudo para ontem... Mas suas qualidades quando bem exploradas muito podem contribuir num projeto coletivo, por exemplo. No casamento, o cônjuge colérico pode assumir uma postura motivadora, impulsionadora, animadora.
2.3.2 Sanguíneo
LaHaye comenta que o “[...] temperamento sanguíneo é cordial, eufórico, vigoroso e ‘folgazão’”.[9] Para o sanguíneo, os sentimentos tem um peso enorme em suas ações, mais que os pensamentos ponderados. Uma marca do sanguíneo é sua cordialidade e diferentemente do colérico, ele não é tão insensível aos sentimentos alheios. Faz muitos amigos e no trabalho, conquanto seja enérgico, por vezes não conclui o que começou.
2.3.3 Melancólico
LaHaye comenta que o melancólico “[...] é comumente classificado como o temperamento ‘hostil e sombrio’”. A despeito dessa designação nada honrosa, LaHaye afirma que o melancólico “na realidade, é o mais rico de todos os temperamentos, pois é um tipo analítico, abnegado, bem dotado e perfeccionista. Ninguém desfruta maior prazer com as belas artes do que o melancólico”.[10] Mas este temperamento, como todos os outros, possui também seus defeitos. Tende a ser vingativo, demora a superar conflitos interpessoais e diferentemente do temperamento sanguíneo, não faz amigos com tanta facilidade. No casamento, o cônjuge precisa saber lidar com as ciclotomias do parceiro melancólico, e o cônjuge melancólico deve buscar reconhecer suas nuances de humor e procurar minimizar os impactos disto sobre os outros membros da família, especialmente sobre o parceiro ou parceira.
2.3.4 Fleumático
Tende a ser equilibrado, calculista, coerente, frio e para ele, a vida “[...] é uma experiência feliz, serena e agradável na qual tenta envolver-se o mínimo possível”.[11] Em posições de gestão e liderança, o fleumático tende a ser muito produtivo e bem sucedido. No casamento, é importante que ele trabalhe suas emoções e sua postura, pois ele tende a mais sentir as emoções do que a demonstrá-las, o que pode ser ruim para a relação. Essa frieza típica do fleumático, boa em alguns contextos, pode ser devastadora para suas relações pessoais.
CONCLUSÃO
Naturalmente, muito mais poderia ser dito aqui a respeito da vida a dois, do casamento, mormente na perspectiva bíblica. Buscou-se um diálogo com outras fontes de conhecimento a fim de se produzir um texto que apresente assim contribuições possíveis, mas partindo da compreensão básica de que o casamento continua sendo uma instituição vital à sociedade, à constituição de famílias saudáveis e também para a construção de igrejas sadias.
[1] Bíblia Sagrada: Nova Versão Transformadora. São Paulo: Mundo Cristão, 2016, Efésios 5.21,22,25,26.
[2] Devemos lembrar também que a família é tema importante em Sociologia, disciplina que a reconhece como uma instituição de base, isto é, que está na base da constituição social.
[3] No Novo Testamento, temos Jesus entrando na casa de algumas pessoas como em Lucas 19.1-10, Paulo escrevendo sobre a relação entre pais e filhos em Efésios 6.1-4 e o encontramos ainda fazendo referência a famílias, como em Romanos 16.10,11; também o autor da Epístola aos Hebreus adverte contra o adultério e exalta o matrimônio em 13.4.
[4] A Janela de Johari é um conceito desenvolvido por dois psicólogos na década de 1950, chamados Joseph Luft e Harry Ingham. A palavra “Johari” é a junção das iniciais dos primeiros nomes dos dois. A palavra “janela” é um ponto de comparação com as janelas de casas em que há divisões onde se encaixam os vidros, e no conceito refere-se à áreas do comportamento humano, percebidos e não percebidos pelo próprio sujeito. A Janela de Johari é pensada em relação ao comportamento do indivíduo e de grupos e, por isto mesmo, muito utilizada no contexto corporativo e nas reflexões sobre Liderança. A Janela de Johari define quatro áreas do comportamento a serem consideradas: a área aberta, a área fechada ou secreta, a área cega e a área desconhecida. Na área aberta estão aqueles comportamentos conhecidos pela própria pessoa e por outras que a cercam. Na área fechada estão aqueles comportamentos que o indivíduo ve em si mesmo mas oculta dos outros. Na área cega estão aqueles que não são percebidos pelo próprio indivíduo, mas que são notados pelas outras pessoas que o cercam. Na área desconhecida residem aquelas características e fatores que nem o sujeito e nem as pessoas que o cercam percebem. Quando o sujeito se abre ao feedback em um desses quadrantes, outros são afetados. Por exemplo, quando a pessoa se abre à exposição e ao feedback externo, sua área cega tende a diminuir e sua área aberta tende a aumentar.
[5] Para uma breve análise a respeito da contribuição do conhecimento dos quatro temperamentos na Educação, cf.: RODRIGUES, Márcia Regna Silva. CORREIA, Murilo Flores. A contribuição da teoria dos quatro temperamentos para a educação: valorizando a individualidade nas salas de aula. Disponível em: <http://www.profala.com/arteducesp181.htm> Acesso em 17 mai. 2019.
[6] RODRIGUES, Márcia Regna Silva. CORREIA, Murilo Flores. A contribuição da teoria dos quatro temperamentos para a educação: valorizando a individualidade nas salas de aula. Disponível em: <http://www.profala.com/arteducesp181.htm> Acesso em 17 mai. 2019.
[7] Vale destacar aqui que nenhuma pessoa tem apenas um temperamento. Ainda que o normal seja um dos quatro temperamentos prevalecerem, o indivíduo sempre terá um pouco dos outros também, podendo apresentar traços de todos eles (cf.: LAHAYE, Tim. Temperamento controlado pelo espírito. São Paulo: Edições Loyola, 1991, p. 20).
[8] LAHAYE, 1991, p. 23.
[9] LAHAYE, 1991, p. 22.
[10] LAHAYE, 1997, p. 27.
[11] LAHAYE, 1991, p. 28.
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