Já se passaram muitos anos, mas
ainda sinto muitas saudades da "igrejinha"... Profundamente
melancólico, insistentemente saudosista e inelutavelmente reflexivo, não consigo
deixar de me comover com algumas lembranças preciosas. Essas lembranças são
minhas, é verdade, mas os valores que elas evocam são comuns a muitos de nós,
especialmente para aqueles que conheceram uma forma de Pentecostalismo puro, simples,
sincero e marcante.
E acredite: essas lembranças não me
impedem de prosseguir adiante, e não me impedem justamente porque evocam esses
valores preciosos que me conduzem em minha peregrinação. Devo afirmar, portanto, que essa minha insistência em volver
minha mente a essas lembranças, vez ou outra, não sinaliza para uma possível
recusa de minha parte no sentido de seguir em frente.
Esse meu apego a essas lembranças
de um passado remoto também não evidenciam um homem que tenha sido infeliz nos
anos que se seguiram. Longe disto! Vivi e continuo vivendo uma boa vida, graças
a Deus. Mas, de algum modo, preciso voltar a essas lembranças.
Para falar francamente, considero
essas lembranças como bens preciosos, daqueles que devemos guardar por toda a
nossa existência. Trata-se de um importante passado que serve de referência para o futuro. Neste texto, evoco um passado que tem que ver com o culto cristão. É mais uma de minhas reflexões, que aqui compartilho com você, trazendo à tona algumas dessas lembranças curiosas e alguns desses valores evocados por essas preciosas memórias afetivas...
Ainda me lembro daqueles cultos precários, sempre com um número reduzido de pessoas, o
pandeiro como o instrumento oficial (até havia uma guitarra, mas ninguém mais
sabia tocar) e o olhar das pessoas que passavam na rua e nos viam ali, cantando
e pregando.
Ainda me lembro dos ensaios da “mocidade"
(a mocidade era composta por meu irmão, eu e outros dois ou três jovens
apenas); me lembro do momento em que cantávamos aquele louvor "Coração
valente", da Banda Voz da Verdade. E acredite: eu fazia a voz principal...
Ainda me lembro de nós, da
"igrejinha", pelas ruas do bairro, entregando folhetos e outras vezes
fazendo visitas. E havia aqueles dias em que ficávamos todos felizes porque
alguém diferente estava frequentando o culto naquela dada noite. E se houvesse
uma conversão, então, aí é que a felicidade era completa... inenarrável, eu
diria! E houve vários casos. Algumas dessas pessoas, inclusive, sei que
permanecem na fé e são boas cristãs até hoje.
E o que dizer daqueles cultos precários que não prometiam nada, que seguiam frios até certa altura,
mas, de repente... o Espírito Santo nos surpreendia, nos fazendo lembrar o
amado texto de Atos 2.2: “E de repente...”. Absolutamente inesperadas, mas
profundamente desejadas, essas manifestações do Espírito de Deus entre nós
deixaram marcas profundas, até hoje.
Ainda me lembro da minha mãe quando se
levantava com uma palavra profética que tocava nossas almas. A reverência com
que nos colocávamos naqueles momentos era digna da chegada de uma eminente Autoridade e ainda me lembro que alguns choravam e de que muitas vezes nós voltávamos
para casa radiantes, afinal, o Rei do Universo havia falado conosco naquela
noite...
Oh! Ainda me lembro daqueles cultos precários, mesmo tantos anos depois.
Quero dar aqui alguns
detalhes sobre as pessoas que faziam aqueles cultos precários acontecer. Vou descrevê-las brevemente e você logo perceberá que elas não
tinham nada de especial: tratavam-se basicamente de um portuário analfabeto,
que por vezes vinha para o culto imediatamente após chegar de um dia de
trabalho pesado, ainda com a roupa do serviço, empurrando uma velha bicicleta;
uma dona de casa muito dinâmica e versátil, de temperamento forte, alfabetizada,
que se expressava bem, mas sem muita instrução e era ela a líder espiritual
desses cultos precários; havia também um jovem negro, filho adotivo, que trabalhava
para ganhar uma merreca, mas poucas vezes na vida conheci um crente tão
dedicado como ele; havia ainda um adolescente sem muitas perspectivas sociais,
filho adotivo também, que sofrera alguns traumas na infância por causa dos
horríveis maus tratos que recebera da mãe biológica e que só viria a frequentar
uma faculdade anos mais tarde, mas que mesmo assim adorava ler, escrever em
cadernos e numa máquina de datilografar (os mais "experientes"
entenderão) e que sonhava “alto”: ter uma estante cheia de livros (esse era eu).
Havia também um casal e uma mãe solteira que frequentavam regularmente aqueles
cultos, também pessoas simples, sem maiores e melhores condições. Enfim, era uma comunidade de fé invisível socialmente, mas feliz...
Mas, o que havia de especial
naqueles cultos precários e em nós, pessoas tão simples, que mesmo hoje, décadas
depois, ainda me lembro deles com saudosismo? O que havia de especial nesses
cultos?
Eu respondo e aqui faço emergir, dessas preciosas lembranças, os
valores que nos faziam ser tão felizes naqueles cultos precários. É que
naquele tempo éramos movidos por uma preocupação primária, precípua e
elementar: ser bons crentes e amarmos uns aos outros. “Sede unidos”, dizia
minha mãe naquelas palavras proféticas que ela proferia algumas vezes.
Naquele tempo, não tínhamos carro,
internet, recursos e contato com pessoas influentes. Faltava tudo e um pouco
mais. Inseridos numa região de periferia, convivíamos com certo nível de
violência, dificuldade de acesso a serviços básicos, mas curiosamente, vivíamos
absolutamente felizes. Este texto não pretende inferir que pobreza é sinônimo
de felicidade. Ricos e pessoas que vivem em condições melhores do que nós,
também são felizes. Mas é curioso que nós, não tendo nada, tínhamos tudo; sendo
pobres, éramos ricos; cultuando num cubículo, nos elevávamos para acima da
simplicidade do lugar, pelo êxtase na adoração.
Aqueles cultos precários eram motivo de imensa alegria, de encontros e reencontros com
Deus, de motivação para seguir em frente e se colocavam para nós como momentos
repetidos de construção de relações duradouras. Acredite: aqueles cultos precários eram ansiosamente aguardados por nós. E como eles nos faziam
felizes...
Daquele tempo, trago comigo essas
lembranças de uma vivência pentecostal marcada pelo amor a Deus, pela prática
de uma fé simples mas profunda, do exercício de cultos desprovidos de
ornamentos, mas marcados pela presença de Deus. Na condição de leigos, fomos
alcançados pela sabedoria da Palavra, Palavra que líamos com amor e
procurávamos introduzir em nossas vidas.
Concluindo, digo que não posso
idealizar aquele tempo e aqueles cultos precários. Tínhamos problemas, é
claro, e vários! Mas viver o que vivi, com aquelas pessoas simples, me permitiu
conhecer o evangelho de modo puro e simples. Me permitiu experienciar a vida
cristã desprovida de interesses mesquinhos e egoístas, já que o que nos
motivava era o amor a Cristo. Havia uma crença viva, uma fé pulsante. Do
contrário, nada daquilo faria sentido.
As práticas da vida cristã, como o ato
de pregar, de visitar pessoas, de colaborar financeiramente mesmo tendo tão
pouco, o deslocar-se de casa de três a quatro vezes por semana para realizar os cultos precários, dentre outras ações, não fariam sentido algum se não
houvesse uma motivação espiritualmente maior, que nos fazia seguir adiante. As
intenções eram puras. Havia sinceridade. Posso dizer que vivi, naqueles cultos precários, o estado da arte do que é ser igreja e do que é cultuar...
Hoje, infelizmente, culto
confunde-se com espetáculo e exibição humana; dízimos e ofertas são encarados
como moeda de troca com o divino e não como mordomia cristã; o púlpito e a
tribuna cristã tornaram-se espaços para autopromoção humana e não mais para a
exposição exaustiva do evangelho.
Desse modo, já não vejo mais tantos cultos precários acontecendo por aí. Os cultos, hoje, não têm nada de precário. Há
muita parafernália, dinheiro envolvido, profissionalismo e formalidades em
excesso nesses cultos de hoje... Mas confesso que isso tudo me é muito
estranho. E desconfio que Aquele que disse que onde estiverem dois ou três
reunidos em seu nome que Ele estaria entre eles, também não é muito afeito a
esses cultos, já que Ele sempre amou a sinceridade e a simplicidade. Bem, Ele
nasceu numa manjedoura, sendo Eterno se fez mortal e morreu numa cruz; sendo
Santo, acolheu pecadores, prostitutas, publicanos e crianças, todas essas
pessoas marginalizadas pela sociedade judaica. Desconfio que Ele de fato
prefere os cultos precários, até porque nesses cultos, fica evidente a
dependência humana de Deus. Não há espaço para ostentações. E a julgar pelos cultos precários que frequentei durante tantos anos, desconfio até que Ele
nem mais esteja participando dos cultos de hoje em dia...
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