terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Psicanálise, o eu e os outros: encantamento, "dilaceramento" e desenvolvimento da pessoa humana

Por Roney Cozzer, teólogo e psicanalista.

www.teologiavida.com


A Psicanálise é uma ciência que surge em conexão direta com a área médica, mas sem se confundir com ela. Joseph Breuer e Sigmund Freud afirmam: "Nossas experiências provêm da clínica particular numa classe social cultivada e afeita à leitura, e seu conteúdo diz respeito, de várias maneiras, à vida e ao destino mais íntimos de nossos doentes" (FREUD, vol. 2, s.d., [pdf], p. 12). Os textos psicanalíticos empregam termos médicos até com muita abundância, como se pode notar nesta referência de Breuer e Freud, tomada como exemplo. 

Seu principal objeto de estudo, o inconsciente, conquanto não seja passível de manuseio (nos termos das ciências biológicas, por exemplo), é passível de observação. Há padrões, recorrências, reflexos, "portas" de acesso a ele, que possibilitam estudá-lo. As histórias clínicas são fundamentais a esse conhecimento, mas em sua abordagem, a Psicanálise soma a elas "uma série de considerações teóricas". Breuer e Freud, discorrendo sobre a histeria, afirmam: "Após as histórias clínicas há uma série de considerações teóricas [...]" (FREUD, vol. 2, s.d., [pdf], p. 12).

Um dos três pilares da formação de um analista é a análise pessoal (ao lado da fundamentação teórica e da supervisão). Esse processo de análise pessoal contribui muito para o conhecimento de si mesmo, e essa descoberta de si por vezes não é agradável, constitui um processo doloroso, mas necessário e enriquecedor da pessoa humana. Esse processo de autoconhecimento pessoal, por vezes, "dilacera"...

Também o aporte teórico que a Psicanálise oferece é fundamental a essa descoberta de si e dos outros. Diversos conceitos relativos à mente humana e conhecimentos relacionados ao comportamento humano são desdobrados em perspectiva psicanalítica, auxiliando assim na melhor compreensão do humano, e do próprio eu. Nesse sentido, pode ser afirmado que fazer um curso de formação em Psicanálise implica realizar um trajeto para dentro de si, em certa medida.

A aquisição desse conhecimento implica num "dilaceramento"! É um percurso que "dilacera", "dilacera" porque requer sacrifícios: leitura e pesquisa constantes, investimento de tempo e de recursos financeiros. Esse esforço para adquirir conhecimento psicanalítico, e para tornar-se um psicanalista, priva da convivência com outros, priva do lazer, gera cansaço. Não é um percurso fácil. Mas é gratificante, pois trata-se de um conhecimento que encanta, e que contribui para o desenvolvimento do eu e de outros.

Assim, o esforço para conhecer os pilares teóricos da Psicanálise e a análise pessoal são dois processos "dilacerantes", mas absolutamente apaixonantes e contributivos. Vale a pena desenvolvê-los de modo contínuo. Neste texto, portanto, trabalho com o pressuposto de que a Psicanálise "dilacera" pelo menos de duas formas: na sua exigência quanto ao esforço para se adquirir conhecimento teórico de seus fundamentos e na análise pessoal. 



Referências

FREUD, Sigmund. BREUER, Joseph. Sigmund Freud: obras completas. vol. 2 (1893-1895). Trad.: Laura Barreto. Companhia das Letras, s.d.

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