APOSTILA: BREVE ANÁLISE DA EPÍSTOLA DE TIAGO
Roney Cozzer [1]
SUMÁRIO
|
|
INTRODUÇÃO
| |
I. PERSEVERANÇA E A OBSERVÂNCIA DA
PALAVRA DE DEUS EM DIVERSOS ASPECTOS (CAP. 1)
| |
1.1. Saudação e considerações iniciais
(vv. 1,2)
|
|
1.2. Adversidade que ensina (vv. 2-4)
|
|
1.3. A sabedoria que vem do alto (vv.
3-8)
|
|
1.4. Repreensão aos ricos opressores
(vv. 9-11)
|
|
1.5. A importância de suportar a
provação e a origem do bem (vv. 12-18)
|
|
1.6. Praticando a Palavra de Deus (vv.
19-27)
|
|
II. FÉ E OBRAS (CAP. 2)
|
|
2.1. Sobre a acepção de pessoas (vv.
1-13)
|
|
2.2. Fé e obras: uma combinação
necessária à vida cristã (vv. 14-26)
|
|
III. SOBRE O REFREAR A LÍNGUA E A
SABEDORIA QUE VEM DO ALTO (CAP. 3)
|
|
3.1. Um pequeno fogo que incendeia um
tão grande bosque (vv. 1-12)
|
|
3.2. A sabedoria do alto (vv. 13-18)
|
|
IV. CONTENDAS, MALEDICÊNCIAS E A
FALIBILIDADE DAS PERSPECTIVAS HUMANAS (CAP. 4)
|
|
4.1. Contendas e a humilhação diante
de Deus (vv. 1-10)
|
|
4.2. O perigo da difamação (vv.
11,12)
|
|
4.3. A importância de se depender de
Deus, sempre (vv. 13-17)
|
|
V. ORIENTAÇÕES DIVERSAS (CAP. 5)
|
|
5.1. As riquezas fora da vontade de
Deus (vv. 1-6)
|
|
5.2. Paciência sob opressão (vv.
7-11)
|
|
5.3. Orientações diversas sobre o
proceder cristão (vv. 12-20)
|
|
CONCLUSÃO
|
INTRODUÇÃO
Esta
pequena epístola, sem dúvida, é um dos documentos mais importantes para o
Cristianismo ao longo dos séculos. Martinho Lutero muito se equivocou ao
referir-se à ela como "Epístola de Palha"[2].
Embora sua leitura tenha sido essencialmente cristológica, e justamente por não
encontrar referências diretas a Cristo na epístola, ele a reputou como sendo de
menor importância. Mas o fato é que Tiago tem um valor impreterível para o Novo
Testamento e se constitui como um breve tratado sobre a prática da vida cristã.
De forma simples, mas profundamente direta, Tiago, "servo de Deus e do
Senhor Jesus Cristo" (1.1), expõe questões vitais para a vida daqueles que
professam amar ao Senhor e ao próximo. Em cinco capítulos, assuntos como
sabedoria, a fé em tempos de tribulação, a observância da Palavra, a oração
pelos enfermos, dentre outros, são tratados com uma singularidade
extraordinária. Tiago é assim, uma importante e relevante e, por que não dizer,
atual epístola.
I. PERSEVERANÇA E A OBSERVÂNCIA DA
PALAVRA DE DEUS EM DIVERSOS ASPECTOS (CAP. 1).
1.1. Saudação e considerações iniciais
(vv. 1,2).
Numa
breve saudação, o autor se identifica: ele é Tiago, "servo de Deus e do
Senhor Jesus" (1.1). Ele é, mui provavelmente, um dos apóstolos de Jesus,
mas antes disso, é servo. Isto muito tem a nos ensinar, sem dúvida. A humildade
e discrição do apóstolo fica evidente por toda a epístola. Ele não explora o
fato de ser o irmão do Senhor, como se isso o colocasse numa posição
privilegiada. Antes, pelo contrário, ele é servo e se refere aos seus leitores
de modo afetuoso: "meus irmãos..." (1.2).
1.2. Adversidade que ensina (vv. 2-4).
O
irmão do Senhor ensina que a aprovação depende da provação. Essa provação
produz aprovação diante do Senhor. Em outras palavras, o sofrimento tem uma
finalidade didática. Aqui, há um paralelo com a Primeira Epístola de Pedro[3]
que também aborda o assunto do sofrimento, deixando claro que "se for da
vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que
praticando o mal" (1 Pe 3.17).
1.3. A sabedoria que vem do alto (vv.
3-8).
Na
Bíblia temos toda uma seção composta exclusivamente de livros de sabedoria, os
chamados Livros Poéticos do Antigo Testamento. Mas é fato que o tema
"Sabedoria" é tratado em diversas outras partes da Bíblia, como se
pode ver aqui em Tiago 1.3-8.
1.4. Repreensão aos ricos opressores
(vv. 9-11).
Tiago
aqui chama a atenção para a brevidade da vida e que "o rico, na sua
insignificância... passará como a flor da erva" (v. 10). O assunto é, num
certo sentido, retomado em 2.1-13.
1.5. A importância de suportar a
provação e a origem do bem (vv. 12-18).
A
tentação não tem origem em Deus. Ela tem origem no próprio coração pervertido
do homem. Este ensino presente em Tiago lembra o ensino do Mestre: "Pois
do interior do coração dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades
sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios, as cobiças, as maldades, o
engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez"
(Mc 7.21,22).
Se
o mau procede da inclinação pecaminosa do homem, "toda boa dádiva e todo
dom perfeito são lá do alto" (v. 17), conforme ensina o apóstolo.
1.6. Praticando a Palavra de Deus (vv.
19-27).
É
interessante que esta perícope esteja situada aqui, já que os versículos
precedentes trouxeram algumas orientações justamente sobre a vida cristã
verdadeira. Praticar a Palavra de Deus - "em vós implantada" (v. 20)
- é a diferença entre ser ou não enganado por si mesmo (v. 22). Tiago usa as
palavras "praticantes" e "lei". O pano de fundo está sendo
preparado para o ensino seguinte que realçará a relação entre fé e obras:
"Assim como o corpo sem espírito está morto, também a fé sem obras está
morta" (2.26 - NVI).
II. FÉ E OBRAS (CAP. 2).
O
capítulo dois da epístola de Tiago traz recomendações sobre o perigo de se
fazer acepção de pessoas e o problema da fé sem obras. Certamente, este
capítulo pode ser considerado "o capítulo dos contrastes", já que o
apóstolo coloca lado a lado duas realidades atinentes à vida cristã que devem
ser harmonizadas - pobres e ricos e fé e obras - mas que por vezes uma é sempre
mais valorizada.
2.1. Sobre a acepção de pessoas (vv.
1-13).
O
Evangelho dignifica o homem, e une os diferentes. Em Cristo não há judeu e nem
gentio, bárbaro e cita, escravo e livre, "mas Cristo é tudo e está em
todos" (Cl 3.11). Este ensino está presente também aqui, onde Tiago discorre
sobre a importância de se tratar de forma igualitária pobres e ricos e no
versículo nove é incisivo: "se, todavia, fazeis acepção de pessoas,
cometeis pecado, sendo arguidos pela lei como transgressores" (ARA).
2.2. Fé e obras: uma combinação
necessária à vida cristã (vv. 14-26).
As
obras são vistas aqui como resultado de uma fé viva. Tiago usa perguntas
retóricas para iniciar o assunto, no versículo 14. A fé deve servir para
demonstração da bondade ao semelhante, conforme os versículos 15 a 17. Timothy
B. Cargal, teólogo pentecostal, faz o importante comentário a respeito dessa
passagem:
Essa dupla preocupação por tudo de "bom" que a
fé deveria proporcionar representa uma importante lembrança para a nossa
cultura individualista. Fé não é apenas salvar a alma individual do julgamento
eterno, mas também construir comunidades a fim de mostrar o amor de Deus não só
no meio dos próprios crentes, mas também no mundo em que vivem[4].
Exemplos
do Antigo Testamento são tomados para explicitar essa relação proposta por
Tiago, indicando que esta verdade não é nova em Tiago, mas já vem desde tempos
antigos. A fé verdadeira, mais do que simplesmente afirmada, é praticada, como
o fizeram Abraão e Raabe, sendo aquele chamado de amigo de Deus.
III. SOBRE O REFREAR A LÍNGUA E A
SABEDORIA QUE VEM DO ALTO (CAP. 3).
Novamente
encontramos aqui um claro contraste: os perigos de uma língua não refreada e a
sabedoria que vem do alto. Este texto demonstra algo fundamental, mas que por
vezes não nos damos conta: a importância do discurso na condução da vida[5]. A
vida e a morte podem estar aqui residindo e, portanto, todo cuidado é
necessário.
3.1. Um pequeno fogo que incendeia um
tão grande bosque (vv. 1-12).
O
capítulo inicia com uma interessante advertência de Tiago no sentido de que
"não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber
maior juízo" (v. 1), o que pode indicar que o ensino subsequente é na
verdade um alerta quanto ao uso indevido da posição de professor ou mestre.
Veja que no versículo seguinte, o dois, ele afirma que os mestres também erram
e ele mesmo se inclui nesta declaração: "tropeçamos".
Desse
modo, começa a chamar a atenção para o perigo do mau uso da língua, um
"pequeno órgão" (v. 5), mas que é "mundo de iniquidade" (v.
6). Duas metáforas são usadas: a do leme e a do fogo. É retratada como sendo
indomável e como uma fonte de onde brotam bênção e maldição. Tiago termina esta
seção perguntando se é possível brotar água doce e amarga de uma mesma fonte e
se pode a figueira dar azeitonas ou a videira figos (vv. 11,12). Perguntas
retóricas usadas para ilustrar o ensino presente na passagem que aponta para a
natureza da língua que precisa ser conformada com a sabedoria do alto.
3.2. A sabedoria do alto (vv. 13-18).
Alguém
já escreveu que a verdadeira sabedoria orienta para a vida. Mais do que um
acumulado de informações e saberes de diversos campos do conhecimento humano, a
verdadeira sabedoria conduz, de forma prática.
A
verdadeira sabedoria, conforme o ensino da presente epístola, é demonstrada em
ações concretas no mundo, por meio de "mansidão de sabedoria, mediante
condigno proceder" (v. 13). Aqui reside uma beleza ímpar do Evangelho: a
sua exigência quanto à um viver prático.
Tiago
indica que há uma sabedoria que não procede do Pai, mas que é "terrena,
animal e demoníaca" (v. 15). Essa sabedoria é contrastada com aquela que
vem de Deus e produz paz, é indulgente
(ARA), isto é, cordata, que gera bons frutos, dentre outras características
alistadas no versículo 17.
IV. CONTENDAS, MALEDICÊNCIAS E A
FALIBILIDADE DAS PERSPECTIVAS HUMANAS (CAP. 4).
Este
capítulo da Bíblia toca, de forma muito simples, mas vívida, a realidade das
pessoas. Quem de nós nunca fez planos? E quem de nós nunca percebeu a presença
do espírito faccioso, da inveja e de contendas entre irmãos? É preciso, como
Igreja Brasileira, retornar ao puro e genuíno ensino presente neste texto.
4.1. Sobre contendas e a humilhação
diante de Deus (vv. 1-10).
A característica de "staccato" (ou de
"separação de frases") vista nas frases curtas dos versos 2 e 3 de
Tiago, une-se à ausência daquela pontuação convencional da língua grega,
tornando difícil o presente relacionamento entre suas ideias na tradução
portuguesa. Talvez o melhor equilíbrio entre o estilo e as ideias seja
alcançado traduzindo-se os versos em dois paralelos, onde a primeira linha de
cada um representa as atitudes interiores que dão origem às ações apresentadas
na segunda.
"Você deseja, mas não tem; então você mata.
Você tem inveja, mas é incapaz de conseguir;
então, você guerreia e peleja" (tradução pessoal do
autor)[6].
De
fato, nota-se neste capítulo uma alternância interessante de assuntos que vão
sendo desenrolados por Tiago na medida em que vai avançando na sua linha de
raciocínio. Ele fala da origem das pelejas entre irmãos, da cobiça, sobre o
pedir incorretamente, a infidelidade para com Deus, o ciúme do Espírito Santo
pelo crente, a sujeição a Deus e o achegar-se e humilhar-se perante Ele.
4.2. O perigo da difamação (vv. 11,12).
Aqui,
Tiago comenta que o julgamento do próximo coloca o julgador na condição de
juiz, mas Um só é o Juiz e Legislador, conforme se lê no versículo 12. Vale
lembrar que para Tiago, os homens são feitos à semelhança de Deus e talvez por
isto seja tão perigoso julgar o próximo (cf. 3.9).
4.3. A importância de se depender de
Deus, sempre (vv. 13-17).
O
homem por vezes se porta com arrogância e petulância, mas a vida humana é
frágil e possui muitas limitações. Tiago é incisivo ao afirmar: "Vós não
sabeis o que sucederá amanhã" (v. 14). A recomendação bíblica é depender
do Senhor, confiar Nele. Isso é subentendido pela afirmação de Tiago: "Em
vez disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser..." (v. 15).
V. ORIENTAÇÕES DIVERSAS (CAP. 5).
O
último capítulo desta epístola traz várias recomendações preciosas e também
advertências severas contra os ricos opressores. Ricos que oprimiam pobres para
satisfazer seus próprios desejos impuros.
5.1. As riquezas fora da vontade de Deus
(vv. 1-6).
Tiago
denuncia com veemência os ricos que retinham os salários dos trabalhadores de
forma fraudulenta (v. 4). A vida desses ricos foi regalada, cômoda,
confortável. O apóstolo sai em defesa da justiça e da santidade no trato com o
pobre.
Mais
uma vez notamos nesta epístola uma mudança abrupta de assunto. Mas é válido
mencionar que isto pode ser aparente, como se vê adiante.
5.2. Paciência sob opressão (vv. 7-11).
A
partir do versículo sete, o apóstolo começa a convocar os seus leitores à que
sejam pacientes face à opressão. Certamente ele está mudando o foco do seu
ensino. Antes, os ricos opressores. Agora, os pobres oprimidos. Diante dessas
injustiças e aflições, é preciso fortalecer o coração (v. 8). Os cristãos que o
liam eram então lembrados de que outros irmãos, anteriores à eles, haviam
sofrido muito, tanto quanto eles mesmos estavam sofrendo. Tiago cita os
profetas no versículo 10 e o patriarca Jó, no vesículo 11, e conclui esta seção
afirmando que "felizes os que perseveram firmes" (v. 11).
5.3. Orientações diversas sobre o
proceder cristão (vv. 12-20).
Encontramos
no versículo 12 a recomendação para que não se jurasse, e ele parece estar
retomando aqui o ensino do Senhor Jesus (cf. Mt 5.33-37). A seguir recomenda
que em casos de sofrimento e de doença, a solução é oração, e se alguém estava
contente, que entoasse louvores ao Senhor (vv. 13-15). Este é um dos
pouquíssimos textos neotestamentários onde se fala do uso do óleo da unção.
Como se pode ver claramente, trata-se de uma situação específica, havendo
critérios para o uso do óleo, e não da forma banalizada como vemos na Igreja
Brasileira, hoje, infelizmente.
Deve
haver confissão de pecados para que haja perdão e cura, uma vez que "muito
pode, por sua eficácia, a súplica do justo" (v. 16). Mais um santo do
Antigo Testamento é citado, o profeta Elias, como exemplo de oração confiante
no Senhor.
CONCLUSÃO
A
epístola de Tiago, assim como as demais do Novo Testamento, é extremamente
atual. A despeito dos distanciamentos hermenêuticos que possamos encontrar
nela, o que é perfeitamente natural em qualquer texto bíblico, esta epístola
toca diretamente na vida concreta do cristão individualmente e da igreja em sua
coletividade. Problemas destacados e tratados por Tiago são também problemas
que enfrentamos hoje. E a saídas por ele indicadas também continuam sendo as
mesmas para nós, no século 21.
REFERÊNCIAS
ARRINGTON, French L. STRONSTAD, Roger (ed.s.). Comentário
Bíblico Pentecostal: Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
Bíblia Shedd. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição rev.
e atualizada no Brasil. 2 ed. São Paulo: Edições Vida Nova; Barueri, SP:
Sociedade Bíblica do Brasil, 1997.
BRUCE, F. F. Comentário
Bíblico NVI: Antigo e Novo Testamento. Trad.: Valdemar Kroker. São Paulo:
2009.
CHAMPLIN, Russell N. Enciclopédia
de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 6. São Paulo: Candeia, 1991.
[1]
Graduado em Teologia, possui formação em Psicanálise Clínica, pós-graduado em
Psicopedagogia Clínica e Institucional, Mestre em Teologia pelas Faculdades
Batista do Paraná (FABAPAR) e atua como docente e coordenador pedagógica na Faculdade Brasileira (FABRA).
E-mail: roneyricardoteologia@gmail.com.
[2] A
despeito desta referência à epístola de Tiago, Lutero não proibiu a outros de a
usarem e nem que fossem livres para pensar da epístola o que bem pensassem: cf.
CHAMPLIN, Russell N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e
Filosofia. Vol. 6. São Paulo: Candeia, 1991, p. 529.
[3]
Como há em diversos outros exemplos, conforme indica Champlin: cf. CHAMPLIN,
Russell N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 3. São
Paulo: Candeia, 1991, p. 535.
[4] CARGAL, Timothy B. in:
ARRINGTON, French L. STRONSTAD, Roger (ed.s.). Comentário
Bíblico Pentecostal: Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p. 1.673.
[5]
Ver ARRINGTON. STRONSTAD, 2003, p. 1.677.
[6] ARRINGTON.
STRONSTAD, 2003, p. 1.680.
Nenhum comentário:
Postar um comentário