segunda-feira, 29 de maio de 2023

Teologia e Psicologia: alguma relação possível?

Fonte da imagem: Bibotalk. [Site]. Disponível em: <https://bibotalk.com/podcast/aconselhamento-cristao-e-psicoterapia-btcast-443/>. Acesso em 29 mai. 2023.

Roney Cozzer

No estudo das questões de saúde mental e psicológica, é possível estabelecer diálogo com diversos campos do saber. Não constitui exagero afirmar que, na verdade, é mesmo uma necessidade buscar contribuições teóricas de outras ciências. Esse diálogo possibilita ao profissional da Psicologia e/ou Psicanálise considerar diferentes perspectivas, e uma perspectiva não menos importante é a teológica. A Teologia, numa abordagem protestante, tem sido definida como “[...] a ciência de Deus e das relações entre Deus e o universo” (STRONG, 2003, p. 21). O uso do termo “teologia” é muito antigo e refere-se à natureza de Deus, aos seus atributos e sua ação no mundo, tal como descritos nas Sagradas Escrituras, a Bíblia Sagrada.

Na Idade Média, a Teologia foi entendida como “A rainha das ciências”, e teólogos sistemáticos como Augustus H. Strong, acima citado, chegam mesmo a reforçar, em certa medida, essa compreensão a respeito da Teologia: “[...] A teologia é a “ciência das ciências”, não no sentido de incluir todas estas, mas no de empregar os seus resultados e mostrar a sua base subjacente” (STRONG, 2003, p. 21). E mais adiante, o mesmo autor chega a afirmar que “[...] todas outras ciências exigem a teologia para sua explicação completa” (STRONG, 2003, p. 21).

É preciso destacar que dificilmente os cientistas que trabalham com as “outras ciências”, como citado por Strong, concordariam com esta afirmação. Atualmente, nota-se uma clara separação entre os campos científicos do religioso e teológico. Isso não implica, necessariamente, ausência de diálogo entre essas ciências e suas disciplinas, apenas que se busca manter as especificidades de cada área de estudo e reconhecer, inclusive, as distinções existentes entre seus objetos de estudo.

Numa discussão como a que é levantada neste artigo, reconhece-se que a contribuição teológica é importante, muito importante. Sobretudo porque o teólogo é, geralmente, aquele estudioso que analisa de dentro e fala de dentro. Ele não é ou não costuma ser um interlocutor externo a refletir de fora sobre problemas da religião e da instituição religiosa, como acontece na Sociologia, por exemplo, em que sociólogos refletem sobre a religião sem manterem qualquer pertença religiosa. No estudo de determinado tema, relativo a um campo de estudos e a um grupo social e religioso, é preciso ouvir essas vozes internas. 

A religião, na tradição cristã protestante (para fazer um recorte), é vista em termos de uma espécie de sistema unificado de verdades que conduzem o homem a Deus, ou que são entendidas para que ele possa realizar esse percurso de mobilidade em direção a Deus. Essas verdades encontram seu ápice na pessoa de Jesus e em seu ensino. O "evento Cristo" é o ponto alto da Revelação divina à humanidade.

Naturalmente, em outras religiões, não cristãs, a compreensão do que é a religião vai mudar em determinados aspectos. Sendo o Brasil um país majoritariamente composto por cristãos, essa definição, oferecida acima, se coloca como útil para se refletir sobre o impacto da religiosidade e da espiritualidade sobre a construção – entenda-se “busca” – do sentido da vida.

Com efeito, a Teologia reflete sobre os aspectos que envolvem e caracterizam determinada religião, mas não necessariamente ao modo das Ciências da Religião, uma vez que na Teologia está presente o elemento confessionalidade. Como mencionado antes, o teólogo fala de dentro, a partir do interior de uma religião e, não poucas vezes, vivencia ele mesmo a fé que é objeto de estudo da Teologia, estando diretamente ligado ao seu objeto de estudo e com ele envolvido.

Interessante considerar que essas diferentes perspectivas para a religião evidenciam a diversidade de compreensões a respeito dela. Por vezes, no bojo dessas diferentes compreensões, encontram-se epistemologias comuns, que se encontram em alguma medida, e que conflitam. Com efeito, há compreensões que colidem e não se harmonizam. Enquanto um teólogo diria que “a fé é conhecimento e o mais elevado tipo de conhecimento” (STRONG, 2003, p. 23), um cientista, de outra área qualquer, certamente encontraria dificuldade em assimilar esta afirmação de pronto.

Todavia, é possível estabelecer diálogo entre saberes e usar aportes de diferentes campos de conhecimento com vistas a ampliar a qualidade do atendimento psicológico. Um indivíduo pode procurar ajuda psicológica em função de questões ministeriais, eclesiais e religiosas. O psicólogo ou psicanalista, mesmo instrumentalizado pela Psicologia ou Psicanálise para a realização/aplicação de uma terapia, poderá melhor compreender as demandas do cliente se dispuser de conhecimento sobre as questões que o perpassam e assim definir abordagens. 


Referências

STRONG, Augustus H. Teologia Sistemática. vol. 1. Trad.: Augusto Victorino. São Paulo: Hagnos, 2003.


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