segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Rudolf Karl Bultmann: Teologia, contribuições e crítica possível ao seu pensamento

Por Roney Cozzer

(FONTE: COZZER, Roney R. Doutrinas bíblicas. Instituto Teológico Quadrangular, 2019 [obra não publicada]).


Chegamos agora a mais um dos grandes pensadores cristãos do século 20. E esse é um pensador também muito criticado no contexto evangélico, mas isso se dá certamente, em grande medida, por desconhecimento da obra desse importante pensador. Rudolf Karl Bultmann estudou profundamente o contexto ou cenário que dá origem ao Novo Testamento, mas fazendo isso sem desconectar-se da sua própria realidade no século 20. Deve ser destacado já de partida que Bultmann não foi um teólogo sistemático, mas deve ser entendido – e com justiça – como um teólogo bíblico, que se dedicou de fato aos estudos em torno do Novo Testamento.
Bultmann nasceu na Alemanha, em 20 de agosto de 1884, e faleceu em 1976, aos 91 anos. Foi catedrático da Universidade de Marburg, na Alemanha, durante muitos anos (de 1921 até 1951 quando se aposentou) e produziu diversos textos de cunho histórico, teológico e interpretativos sobre o Novo Testamento. Marburg foi a universidade onde ele lecionou até o fim da vida em 1976 e ele a via como sua pátria acadêmica.
Um fato interessante a respeito da vida e obra de Bultmann, é que ele fez parte da assim chamada Igreja Confessante, composta por teólogos igualmente destacados como o suíço Karl Barth (1886-1968), que rejeitaram e se opuseram ao nazismo.[1] Bultmann estudou nas melhores universidades alemãs: Tübingen, Berlim e Marburg e era herdeiro de uma rica tradição protestante.[2] Dentre as obras que produziu destacam-se Jesus (1926), Novo Testamento e mitologia (1941), Teologia do Novo Testamento (1948-53) e Religião sem mito (1954). 
Uma ponderação importante aqui: é fundamental ao estudante de Teologia adotar em sua vida de estudos aquele que foi um dos lemas da Reforma Protestante: ad fontes. É preciso ir “às fontes”, ou “voltar às fontes”. Os intérpretes são necessários, os interpretados mais ainda! É incoerente nos apegarmos apenas às interpretações sobre esse ou aquele teólogo sem “consultá-lo” por meio de suas obras. As interpretações cumprem um papel muito importante, seja no sentido de preservação/manutenção do pensamento de determinado teólogo, seja no sentido de nos ajudar na compreensão de sua obra. Todavia, mais importante que isso é recorrer ao próprio teólogo lendo os textos de sua autoria.
É importante destacar ainda que, por mais que se reconheça as contribuições notáveis de Bultmann e de outros grandes teólogos cristãos (contemporâneos ou não) para a reflexão teológica, tal reconhecimento não precisa significar endosso absoluto da integralidade de sua obra. Não é diferente aqui com relação ao pensamento bultmanniano. Como cristãos confessos e cheios de fé, discordamos radicalmente de alguns resultados do trabalho de Bultmann, como alguns vistos em seu programa de desmitologização do Novo Testamento que culmina na compreensão de que a ressurreição de Jesus se reduz a um mito, e não a um fato concreto na História.
O pensamento de Rudolf Bultmann é devedor, em grande medida, ao existencialismo do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), do qual, inclusive, foi colega e chegou a trocar correspondências. Bultmann entendeu que a mensagem do Novo Testamento, um documento muito antigo, é sim Palavra de Deus, mas que pode ser comunicada ao homem em termos existenciais, numa resposta de fé individual.

[...] ele se recusava a reconhecer qualquer disparidade profunda entre a exegese e a teologia sistemática, afirmando que, na verdade, a tarefa de ambas é explicar a existência humana em relação a Deus ao ouvir a Palavra de Deus, que se dirige ao indivíduo por meio do Novo Testamento. Por causa de sua contribuição a essa questão mais ampla do método teológico, Bultmann tem sido uma voz insuperável no meio da teologia sistemática bem como dos estudos do Novo Testamento.[3]

No senso comum de muitos evangélicos brasileiros, Bultmann tem sido considerado um teólogo liberal. O curioso, contudo, é que o próprio Bultmann se considerou um aliado de Barth no sentido de dar uma resposta ao liberalismo teológico em seu tempo. Sua crença é de que a revelação, o kerigma, é suficiente para o conhecimento de Deus. “[...] Seguindo as ideias do filósofo existencialista Martin Heidegger, Bultmann interpretou essa mensagem exclusivamente em termos de condição humana que ele via caracterizada pela ansiedade e até mesmo pelo desespero”.[4] É correto afirmar sobre ele que seu esforço foi no sentido de projetar a sua visão cristã através do existencialismo.
Bultmann se apropriou do existencialismo para construir sua teologia. Nesse sentido, pode ser afirmado que ele foi além de Karl Barth, já que Barth concentrou sua teologia na Pessoa de Jesus. Bultmann entendeu que o existencialismo lhe permitia transmitir de modo mais adequado a relação fundamental entre Deus e o homem. Mas existe também a ideia de que ele teria escolhido o existencialismo por questões hermenêuticas, de modo que ele procurava entender os textos neotestamentários sem interferências de outros conceitos conhecidos, sendo a existência humana o único princípio hermenêutico adequado.[5] O existencialismo foi visto como uma forma eficaz de lidar com alguns problemas que se levantavam na pesquisa do Novo Testamento, como por exemplo o Jesus histórico e a mitologia.

[...] o seu ponto de partida se encontra claramente na questão levantada pela neo-ortodoxia como um todo sobre como Deus se dirige à humanidade nos dias de hoje. A resposta de Bultmann empregou o conceito de existência humana, que ele encontrou tanto no próprio Novo Testamento quanto na filosofia existencialista. Deus se dirige a partir de sua transcendência como Outro Ser e a Palavra divina pede uma resposta radical que implica mudança de vida. Assim, a teologia que, por definição, é o discurso sobre Deus, não pode deixar de falar, ao mesmo tempo, da existência humana.[6]

Bultmann percebeu no existencialismo um caminho para compreender o Novo Testamento, em função da ontologia apresentada pelo existencialismo. Cumpre ressaltar que Bultmann não se preocupou em impor as explicações de Heidegger ao Novo Testamento. Eles encararam o existencialismo sob prismas diferentes. Bultmann, crente; Heidegger, incrédulo (quanto à fé). Bultmann está, em seu tempo, procurando tornar relevante a mensagem do Evangelho ao homem contemporâneo, da Modernidade, já acostumado com avançadas tecnologias e que não mais se inclina a mitos.
Bultmann encontrou um modo eficiente de conciliar conceitos do pensamento heideggeriano e o seu próprio pensamento. Ele estabeleceu alguns paralelos entre conceitos da obra de Heidegger e conceitos bíblicos, como por exemplo, fé e pecado com “existência autêntica” e “existência inautêntica”. E esse esforço se dá em Bultmann por ele estar buscando explicar a mensagem do Evangelho em seu próprio contexto, isto é, em sua própria época. Havia um desencontro entre o homem moderno e o homem do período do Novo Testamento, em que a concepção do universo é mítica. Bultmann mantêm seu inelutável interesse em chegar ao cerne da mensagem do Novo Testamento removendo as camadas mitológicas que a cobrem e poder assim comunicar essa mensagem ao homem contemporâneo.
A existência autêntica de Heidegger só é possível, segundo Bultmann, mediante a resposta do homem por meio da fé à graça de Deus, oferecida ao homem pela proclamação cristã (o kerigma). E essa resposta do homem constitui em si um milagre de Deus. Noutras palavras, o homem não pode por si mesmo experimentar essa existência autêntica; ele depende da graça de Deus experimentada por um ato de fé.
O sentido da ressurreição para Bultmann não é em termos factuais, históricos. O entendimento de Bultmann do significado da História é em termos de geschichtlich, isto é, “acontecimentos presentes”. É claro que tal compreensão representa um grave problema para o Cristianismo bíblico histórico, que está estruturado sobre a convicção essencial de que Jesus ressuscitou factualmente dentre os mortos, ou ainda, dito de outra forma: a ressurreição se dá de modo objetivo num ponto da História humana. Para Bultmann, contudo:

[...] O que importa é o sentido da cruz e da ressurreição, ou seja, o significado contínuo que possuem como Palavra de Deus dirigida aos indivíduos dos nossos dias. Ao respondermos ao kerigma, a cruz e a ressurreição se tornam nossa experiência pessoal.[7]

Isso não significa dizer que Bultmann não aceitasse a pessoa de Jesus e sua cruz como fatos históricos. Ele não considerou que um homem realmente tivesse voltado dentre os mortos, mas cria na existência real de Jesus e que Ele veio a morrer numa cruz. Para Bultmann, foi justamente a crucificação que exaltou Jesus à posição de Senhor. Para ele, a fé na ressurreição implicava “[...] fé na eficácia salvadora da cruz”.[8]
O pensamento de Bultmann, evidentemente, deve ser criticado. Ele possui limites sérios. A despeito de suas contribuições, não podemos negar que esse grande pensador caminhou para certo ceticismo no que tange à fé histórica do Cristianismo quanto a milagres, a ressurreição e outras narrativas de fatos sobrenaturais das Escrituras, que ele entendeu como sendo mitos.
O conservadorismo teológico prossegue em ver a obra de Bultmann com suspeição e com certa justiça, em função da sua compreensão a respeito de mito e Bíblia. E não pode ser negado que sua visão diferiu substancialmente da visão tradicional, inclusive quanto à Revelação de Deus à humanidade.
Grenz e Olson (2013) irão afirmar que “independentemente da questão das formulações doutrinárias corretas e das críticas relacionadas a vários aspectos de suas posições, o principal problema teológico está no centro da proposta de Bultmann”.[9] Os autores prosseguem dizendo que esse problema irá se tornar evidente em pelo menos três pontos fracos no pensamento bultmanniano: exegese, vida de fé e a natureza de Deus.
No que tange ao primeiro ponto, exegese, percebe-se que Bultmann caminhou para a construção de uma exegese que Grenz e Olson (2013) chamam de unilateral. Por mais que o existencialismo heideggeriano pudesse ser aplicado de modo positivo para o entendimento do evangelho, isso pode representar uma forma de “anacronismo exegético”. Grenz e Olson (2013) afirmam acertadamente: “[...] Muitos textos [do Novo Testamento] não tratam de questões existenciais como insiste a formulação de Bultmann, mas de outros temas”.[10] A desconexão que esse pensador alemão acabou por estabelecer entre os dogmas de fé e a historicidade, que serviu de base para sua formulação, acabou conduzindo a uma desvalorização equivocada da historicidade. Deve ser lembrando que nossa fé depende, de certo modo, de fatos narrados pelo Novo Testamento, que se deram como fatos históricos e sim, de modo objetivo.
Outro ponto fraco no pensamento de Bultmann é com relação à vida de fé. Para ele, “[...] a fé é uma decisão pessoal sobre o viver autêntico, compreendida de modo extremamente individualizado”.[11] Seguindo na trilha da compreensão existencialista, ele acabou por limitar muito ao individual a esfera de ação da fé reduzindo assim sua dimensão eclesial, comunitária e social. A fé, em termos neotestamentários, tem implicações que transbordam à própria esfera do individual, no cristão. Ela possui implicações abrangentes projetando o cristão para o outro.

Do mesmo modo, não é sem importância o fato de que seus escritos raramente falem da igreja. Do ponto de vista de avanços teológicos subsequentes, podemos concluir apenas que a teologia de Bultmann fornece uma soteriologia útil, ainda que parcial, mas carece de uma eclesiologia satisfatória.[12]

Em um texto publicado originalmente em 1958, e intitulado Das Befremdiliche des christlichem Glaubens, traduzido como “Por que a fé cristã causa estranheza”[13], Bultmann discorre sobre o sentido do Cristianismo, sobre o significado do Cristianismo e conclui em dado momento que “[...] cada qual precisa decidir para si próprio o que é fé cristã”.[14] Ele argumenta logo em seguida que o que vem a ser Cristianismo não necessariamente fica restrito à subjetividade do indivíduo, mas que a explicação sobre o que vem a ser o Cristianismo pode ser feita mediante o conhecimento da história, não história como fatos frios que se sobrepõem, mas sim, e em suas próprias palavras, “o dilema resolve-se se considerarmos o que é autêntica relação com a história, ou seja, o que é relação histórica com a história”.[15] “História” em Bultmann assume um sentido diferente do sentido ordinário que conhecemos. Para ele, ela requer envolvimento, e ele afirma que o historiador tem a sua própria subjetividade envolvida levando-o a participar como pessoa.[16] Só havendo esse envolvimento o sujeito pode compreender os eventos ocorridos na própria História. É após essa conjuntura existencial do sujeito que ele pode compreender seu sentido histórico. Dito isto, Bultmann então lança o problema: “Qual a consequência disso para a pergunta pela essência da fé cristã?” e em seguida, ele mesmo responde: “Ela somente é reconhecível a partir da história do cristianismo, mas só para aquele que estiver existencialmente envolvido nesta história”.[17] Bultmann está deslocando o Cristianismo do conceito de um evento ocorrido na História para a posição de algo contínuo, que retroage e que é escatológico. A despeito de reconhecer que Jesus Cristo inaugurou uma nova era, deixando o velho éon para trás e inaugurando uma nova era, tudo isso permanece atrelado ao existencialismo, que ele usa como “trilho” por onde corre o “trem” da sua Teologia.
Seguindo nesse raciocínio, pode ser mencionado aqui o terceiro aspecto da teologia de Bultmann, criticado por Grenz e Olson (2013), que eles definem como “um Deus limitado”. Os autores irão comentar que a insistência de Bultmann em discutir Deus nesse trilho do existencialismo acabou por “condicioná-lo” demais, infligindo assim a transcendência de Deus. Com efeito, tradicionalmente, o Cristianismo entende que Deus é transcendente, ainda que imanente, e que se relaciona com os homens, “vindo” ao seu encontro por meio da Revelação, seja em Cristo, a Palavra viva, seja por meio da Bíblia, a Palavra escrita.
Ainda que Bultmann insista que o paradoxo da fé cristã consista justamente em que o evento histórico-factual Jesus Cristo não deva ser entendido como evento passado, mas sempre presente[18], ainda assim ele o faz condicionando tal conceito à existencialidade subjetiva do indivíduo. Não que Bultmann tenha negligenciado a transcendência, como bem observam Grenz e Olson (2013):

A intenção do estudioso alemão é louvável. Diante da teologia imanente do liberalismo, ele assumiu a posição correta de elevar Deus à posição de ser Transcendente, o Outro Ser que está sobre todos os indivíduos humanos e além de todos eles. Porém, Bultmann se equivocou quando afirmou que esse Deus só pode ser conhecido na medida em que ele age dentro de mim, ou seja, na medida em que ele cria a existência autêntica, de modo que a teologia se torna a reflexão sobre a experiência do encontro, que leva à existência autêntica. Seria incorreto dizer que, com isso, Bultmann reduziu a teologia a uma forma de antropologia, uma acusação que ele mesmo rejeitou, mas sua abordagem significa que não se pode afirmar nada sobre Deus sem que ao mesmo tempo se fale do ser humano.[19]

Quando Bultmann afirma que só podemos falar de Deus em termos existenciais, caminhando para uma espécie de ontologia-teológica-existencial, ele acaba por reduzir a natureza eterna e transcendental de Deus, apresentando-nos um Deus que difere substancialmente das Escrituras. Nota-se que no esforço de tornar Deus “acessível” aos seus contemporâneos, alguns teólogos do século 20 acabaram indo longe demais. Bultmann valoriza o aspecto presente do fato histórico Jesus, mas sempre em relação ao modo como Ele interage com os homens. A Bíblia, contudo, nos permite perceber que Deus está para muito além da fé individual, não estando condicionado à ela. Deus não pode em qualquer hipótese ser “confinado” e “circunscrito” ao mundo pessoal do sujeito pensante. O próprio conceito teológico de “revelação” sinaliza justamente que é o sujeito que pode vir a conhecer esse Outro que até então lhe é desconhecido, mas dado a conhecer aos homens (cf.: Tt 2.11; Ef 3.3; 1 Pe 1.20). Como bem observam Grenz e Olson (2013), “[...] são cada vez mais evidentes os perigos de uma teologia que confina Deus ao universo da crença pessoal”.[20] Em Bultmann, não podemos negar, a Transcendência divina fica comprometida de certo modo e coloca-se diante do homem contemporâneo um Deus que é limitado.

Bultmann: mito, milagres e a ressurreição

Finalmente, concluindo este tópico sobre o pensamento de Bultmann, ofereço ainda uma crítica possível ao seu conceito de mito aplicado aos milagres e a outros fatos sobrenaturais narrados no Novo Testamento. Ainda que “mito” em Bultmann não tenha o sentido que o senso popular lhe atribui, ainda assim, ele é basicamente a negação de uma ação interventora sobrenatural na existência humana. Ele entendeu que os mitos foram “cascas” ou “camadas” que cobriram o cerne da mensagem do evangelho e que precisavam ser removidas para que essa mensagem fosse realmente entendida e comunicada ao homem com uma mentalidade moderna. Com isso, milagres, possessões demoníacas e claro, a ressurreição de Jesus, não poderiam ser encarados como fatos históricos. Como afirmado anteriormente, ele aceitou a cruz como um evento histórico concreto, mas entendeu a ressurreição como mito:

O paradoxo está justamente em que um evento histórico-fatual é o evento escatológico: o ir e vir de Jesus, a sua cruz! Será que também deveria dizer: a sua ressurreição? Não! Pois a sua ressurreição não é um evento histórico-fatual. Como evento histórico-fatual somente pode ser designada a fé dos primeiros discípulos em sua ressurreição.[21]

É minimamente curioso que ele acreditasse que os discípulos acreditaram sem acreditar no que eles acreditaram![22] E claro, não é problema algum crer que outros creram, sem assentir ao conteúdo da sua crença. Mas no caso do Cristianismo e da proposta de Bultmann, em particular, isso representa sim um problema, visto que ele lança alicerces num terreno para nele construir um edifício teológico na mesma medida em que indica instabilidades nesse mesmo terreno. Norman Geisler (2002) comenta o seguinte:

[...] Bultmann sequer abriu espaço para considerar a pressuposição de que a descrição bíblica de milagres é possível. Tal teoria não podia mais ser levada a sério. A única maneira honesta de recitar os credos era despir a verdade da estrutura mitológica que a circunda.[23]

Para o nosso teólogo alemão, a ressurreição é na verdade um evento da fé ocorrido no coração dos discípulos. Bultmann se afasta de qualquer interesse no sentido de encontrar qualquer historicidade na ressurreição de um cadáver. Ele entende que Jesus reviveu sim, mas apenas no coração dos discípulos. A ressurreição é, pois, um evento subjetivo no pensamento de Bultmann.
Conquanto seja muito valiosa a contribuição de Bultmann no sentido de procurar demonstrar que a ressurreição perpassa, de certo modo, ou por que não dizer, sobrepuja a própria História, Geisler, contudo, chama a atenção para um fato importante: “Milagres não são menos que históricos. Não se deve concluir que, pelo fato de um evento ser mais que histórico, ele deva ser menos que histórico”.[24] Bultmann está propondo uma dissociação desnecessária, dissociação, inclusive, que não é feita pelos próprios autores neotestamentários. Repare no “grande capítulo da ressurreição” (1 Coríntios 15) que Paulo de fato trata a ressurreição em termos históricos.[25] Não se pode deixar de reconhecer que embora brilhante, Bultmann acabou caminhando para um antisobrenaturalismo injustificado, e infundado. Com efeito, nem mesmo o grande pensador alemão isentou-se do preconceito típico do ceticismo iluminista que supervalorizou a razão e o empirismo.[26]




[1] Bultmann não chegou a ser forçado a deixar sua cadeira na Universidade de Marburg durante o regime ditatorial de Hitler, como havia acontecido com vários colegas seus, possivelmente, por ele não ter se envolvido com atividades políticas.
[2] GRENZ, Stanley J. OLSON, Roger E. A Teologia do século 20 e os anos críticos do século 21: Deus e o mundo numa era líquida. Trad.: Susana Klassen. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 100.
[3] GRENZ. OLSON, 2013, p. 100.
[4] GRENZ. OLSON, 2013, p. 100.
[5] GRENZ. OLSON, 2013, p. 107.
[6] GRENZ. OLSON, 2013, p. 108.
[7] GRENZ. OLSON, 2013, p. 111.
[8] GRENZ. OLSON, 2013, p. 111.
[9] GRENZ. OLSON, 2013, p. 112.
[10] GRENZ. OLSON, 2013, p. 112,13.
[11] GRENZ. OLSON, 2013, p. 113.
[12] GRENZ. OLSON, 2013, p. 113.
[13] BULTMANN, Rudolf. Crer e compreender: ensaios selecionados, ed. rev. ampl. Trad.: Walter Schlupp. Walter Altmann. Nélio Schneider. São Leopoldo: Sinodal, 2001, p. 383ss.
[14] BULTMANN, 2001, pp. 385,86.
[15] BULTMANN, 2001, p. 386.
[16] BULTMANN, 2001, p. 386.
[17] BULTMANN, 2001, p. 387.
[18] BULTMANN, 2001, p. 391.
[19] GRENZ. OLSON, 2013, p. 114.
[20] GRENZ. OLSON, 2013, p. 115.
[21] BULTMANN, 2001, p. 390. Noutra obra ele afirma o seguinte: “Obviamente [a ressurreição] não é um evento da história passada [...] Um fato histórico que envolve a ressurreição dos mortos é totalmente inconcebível” (BULTMANN, Kerygma and myth: a theological debate apud: GEISLER, Norman L. Enciclopédia de Apologética. Trad.: Lailah de Noronha. São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 583).
[22] Sobre a ressurreição de Jesus, ele escreveu: “Não se nega que a ressurreição de Jesus seja muitas vezes usada no Novo Testamento como uma prova miraculosa [...] Tanto a lenda do túmulo vazio quanto as aparições insistem na realidade física do corpo ressurreto do Senhor” (BULTMANN apud: GEISLER, 2002, p. 583).
[23] GEISLER, Norman L. Enciclopédia de Apologética. Trad.: Lailah de Noronha. São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 582.
[24] GEISLER, 2002. p. 582.
[25] Com efeito, no pensamento paulino, se o cadáver de Jesus fosse apresentado, a crença na ressurreição cairia, e bem possivelmente o Cristianismo!
[26] Geisler comenta: “A base do antisobrenaturalismo de Bultmann não é evidencial nem está aberta a discussão. É algo que ele defende “não importa quantas testemunhas sejam citadas” [...]. O dogmatismo de sua linguagem é revelador. Milagres são “inacreditáveis”, “irracionais”, “realmente impossíveis”, “sem sentido”, “totalmente inconcebíveis”. Logo, a “única alternativa honesta” para as pessoas modernas é afirmar que milagres são espirituais e que o mundo físico está imune à interferência sobrenatural” (BULTMANN apud GEISLER, 2002, p. 583).

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